O circo
Meu pequeno e grandioso mundo infantil... Silencioso e tão amplo que não me permitia entender tantas coisas sentidas. Havia muita distância entre o ver, o sentir e o compreender.
Ver e apreciar a linha do horizonte, por exemplo, nunca me fez compreender o fenômeno. Tampouco a habilidade de pelo menos expressar no papel o sentimento de felicidade ao mesmo tempo tão infeliz que aquela linha ativava em meu cérebro. Um redemoinho de imagens incompreensíveis me deslumbrava. Apenas isso. Eram elas que me apresentavam o mundo que eu iria ser. Morno, insosso... banal... Foram elas, as imagens, vistas e sentidas, mas não-traduzidas, que, mal ou bem interpretadas, me fizeram esse ser. Tentei ser mais, mas é que elas sempre me vinham escorregadias demais. Não consegui traduzir meu próprio mundo. O mundo se desenhava grande demais para minha diminuta capacidade de compreensão. Eram tão poucas palavras! Elas me faltavam toda vez que tentava formular uma ideia. Algumas, vinham tão evasivas que quando dava por mim elas já tinham fugido. As poucas que consegui capturar me custaram muito tempo. O problema é que hoje elas desviaram de caminho. Apenas uma minoria insiste em embolar a minha mente e me provocar como um broto de uma espécie estranha que não encontrando solo adequado nunca eclode. Dói. Vem à tona, machuca, incomoda. De repente, encroa e fica ali machucando. Machucando muito. Quanta coisa deixei fora do meu ser! Quanta coisa se entranhou em minha vida por eu tê-las acolhido por conveniência.
Traços de dependência às outras pessoas me ataram dentro de mim mesma. Me curvei, para agradar; chorei pela dor do outro; dissimulei satisfação para não insatisfazer. Disse sim quando poderia ter dito não. Gênero de boa moça. Me escapei de mim mesma... Era o medo do desamparo, da solidão. Imagens escorregadias, pensamentos frouxos, preguiçosos, traiçoeiros...
O medo do escuro me empurrou para um abismo infinito. Escolhi o mapa errado. Desviei caminhos sem me encontrar. Preferi a porta larga à porta estreita. A porta estreita só dava passagem pra mim mesma. Caminhar é aterrorizante quando pensamentos são fugidios. Eu nunca avistei o meu ponto de luz.
Mais uma vez desvio caminhos. A escuridão me impediu de compor o que realmente foi a história do circo. Dói. Apenas dói e nada consigo entender.
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