PROJETO MEIO AMBIENTE: CULTIVO DO HÁBITO DO USO DOS 5 rS

2011: Mais um ano letivo pela frente. Em 2010, realizamos com bastante êxito o projeto Gêneros Textuais (orais e escritos), objetivando conhecer, analisar e produzir textos ligados aos Valores Humanos. Neste ano, 2011,a proposta dos gêneros visa desenvolver habilidades e potencialidades relacionadas ao respeito pelo MEIO AMBIENTE, sobretudo à prática ao uso dos 5Rs (Respeitar, repensar, reduzir, reutilizar e reciclar). Por isso, abri um página - MEIO AMBIENTE - só com textos que discorrem sobre o tema. O IFMT campus Rondonópolis não pode prescindir, num momento de agonia do planeta, do seu papel de construção de cidadania. Aguardem!! “Se quisermos ter menos lixo, precisamos rever nosso paradigma de felicidade humana. menos lixo significa ter... mais qualidade, menos quantidade; mais cultura, menos símbolos de status; mais esporte, menos material esportivo; mais tempo para as crianças, menos dinheiro trocado; mais animação, menos tecnologia de diversão; mais carinho, menos presente... (Gilnreiner, 1992)

8 de julho de 2012

GRETAS


AS GRETAS

           

            Tábuas muito largas, compridas, empretecidas e apodrecidas pelo sol, água, falta de caiação e de zelo formavam as imensas paredes da velha sede. Sede rodeada pela curralama de lascas, toscamente colocadas na horizontal; por um mangueirão de lascas colocadas uma a uma na vertical; e, por um velho e doce pomar. Ao norte, a "reta", onde passava o ônibus que nos levava ao patrimônio. Ao sul uma lagoa, formosa, mas com jacarés, e mico, muito pó de mico, onde éramos proibidos de entrar.   Ao leste, a fazenda da viúva Julieta no final de um abandonado campo de aviação; a oeste, a reserva do coronel Arlindo.  

            O ar sombrio, encardido e melancólico daquelas imensas tábuas respingava em cada um de nós, acastanhando nosso corpo e alma. Num ou noutro vão das tábuas, uma ripa que aparava as gretas. Mal pregadas, com o tempo, algumas se despregavam, e a gente acabava de arrancar. As gretas, da grossura de um dedo, era um canal por onde me chegavam coisas do aquém e do além mundo. Um caibro arrodeava as paredes internas, à altura dos nossos ombros ou um pouco mais, suportando as tábuas e um horror de bugigangas que eram ali colocadas: anzol, linha de pescar e de costura, caneca, lamparina, óleo de lamparina e de cozinha,  farolete, pilhas Rayovac do rádio de mesa Semp, chicletes ping-pong que se guardava para o outro dia e toda sorte de qualquer coisa que era lixo, mas que podia servir para em caso de precisão, dizia minha mãe.  A sala da frente tinha o piso de vermelhão mal-acabado que era um luxo. O resto da casa era de assoalho também de largas tábuas encardidas com muitas gretas. Gretas... era assim que chamávamos aquelas fendas papa-trecos: minha fonte de imaginação.

            Sim, as gretas... Eram fantásticas!! Eram elas que me traziam o mundo e ao mundo. Dia e noite.  Aprendi o mundo pelas gretas! E isso explica muito do que sou.  De dia, o sol me trazia seres que só mais tarde descobri serem da noite. De noite, a escuridão me trazia sombras que mais tarde descobri serem meus conselheiros. Fantasmas, bois e vacas bravas, ferrões, peões embriagados e valentes, grileiros, pai invernado nas invernadas, espingardas, ladrões, bichos-papões, espíritos de escravos que o coronel mandou surrar até matar. Era o vento gelado que entrava candente pelas gretas do lado oeste. Da mata fechada. E eu ficava ali vendo homens, mulheres e principalmente criancinhas, que desobedeceram às ordens superiores, sendo chicoteados impiedosamente pela alma do Coronel que, montado num enorme cavalo preto reluzente, tomava forma de verdugo para perpetuar seu poder. Nossa! Meu quarto ficava repleto de vivas labaredas violentas.  A peonada era acionada. Só fogo cruzado acalmava a voracidade das enormes línguas vermelhas.  

            As mesmas gretas me traziam, num cone longo e alegre, um rico e colorido repertório imagístico do meu ser, tão distante. Eu acompanhava seu trabalho. Aquele cone se afunilava, afunilava, até se desintegrar, num canto da sala de vermelhão, com a faceirice de quem cumpriu seu dever.  E ali se deixava cair aliviado.  Eram dezenas de milhares de fragmentos, tão minúsculos que até hoje tento juntar. Eu me perdia nesse intento. E minha mente fervia.  Um diálogo interior era travado com todos aqueles fragmentos multifluorescentes que chispavam tomando forma ao meu comando.  Meu comando era frágil, as formas não se fixavam. Eram velozes como o meu pensamento, escorregadio, volátil. Fugaz, maldosamente fugaz. Mas eu pensava...  desordenamente como as falas internas... num descompasso sem fim.  E nada eu entendia. Pensava tanto... eram tantas pontas de fios perdidos.  Uma e mais uma e mais uma... A trama sempre por fazer. Um vai e vem de pensamentos para ser num  tempo e espaço tão infinitamente superiores a mim, que me faziam doer o silêncio.  Silêncio que vez ou outra era rompido longe longe pelo motor de um avião bem pequenininho.  O tempo não passava. Deitava-me de bruços no assoalho da sala do meio.  Perscrutava com uma faca de mesa cada milímetro das fendas que se abriam para mim. Buscava tesouros: alianças de ouro, anéis de brilhante, moedas de ouro que o coronel ali enterrava. Eu ia pinçando tantas coisas: palito de fósforo, agulha quebrada de máquina de costura, fiapos de linha, papel de prata do maço de cigarro Continental do meu pai. O cone dourado desaparecia. O tempo passava e eu voltava para ele, entorpecida, esperando entrar pelas mesmas gretas os meus professores da noite.

                                                                                       16 DE JULHO DE 2008/1966


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