PROJETO MEIO AMBIENTE: CULTIVO DO HÁBITO DO USO DOS 5 rS

2011: Mais um ano letivo pela frente. Em 2010, realizamos com bastante êxito o projeto Gêneros Textuais (orais e escritos), objetivando conhecer, analisar e produzir textos ligados aos Valores Humanos. Neste ano, 2011,a proposta dos gêneros visa desenvolver habilidades e potencialidades relacionadas ao respeito pelo MEIO AMBIENTE, sobretudo à prática ao uso dos 5Rs (Respeitar, repensar, reduzir, reutilizar e reciclar). Por isso, abri um página - MEIO AMBIENTE - só com textos que discorrem sobre o tema. O IFMT campus Rondonópolis não pode prescindir, num momento de agonia do planeta, do seu papel de construção de cidadania. Aguardem!! “Se quisermos ter menos lixo, precisamos rever nosso paradigma de felicidade humana. menos lixo significa ter... mais qualidade, menos quantidade; mais cultura, menos símbolos de status; mais esporte, menos material esportivo; mais tempo para as crianças, menos dinheiro trocado; mais animação, menos tecnologia de diversão; mais carinho, menos presente... (Gilnreiner, 1992)

20 de novembro de 2013

MEMORIAL

Elaborei esse memorial para participar do Processo seletivo para Mestrado em Educação - UFMT -Rondonópolis

Memorial


Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora?
                         Oswaldo Montenegro                                 
1965. Casa imensa. Tábuas emparelhadas, por cujas gretas me chegava o mundo.  Sim, no espelho de agora, vejo cones. Longos e alegres, eles aproveitam as brechas para me trazer uma rica e colorida multidão de partículas douradas. Aos milhões, elas se afunilam, afunilam, até se desintegrarem num canto da sala de vermelhão.  Eu ali; perdida no tempo...  tentava juntá-las e decifrá-las. Neste tempo, não havia nem passado nem presente; nem futuro. Era só o tempo me dando tempo para brincar de aprender com aquelas partículas que chispavam velozes e voláteis. Maldosamente voláteis, não me davam o tempo de juntar as tantas pontas de fios e fiapos perdidos naquela trama sempre incompleta. Era um trabalho de silêncio e concentração. Eu pinçava tesouros: alianças e moedas de ouro, anéis de brilhante, coisas que o Coronel enterrara por ali um dia. Palitos de fósforo, agulha quebrada de máquina de costura, fiapos de linha, papel de prata do maço de cigarro Continental. Vacas bravas, ferrões, assombrações, frutas, quintais, sapos, café com leite no curral; grileiros e lagoa. Entorpecida, nesse êxtase, os dias longos se tornariam curtos e trariam logo o Natal que traria o “janeiro do ano que vem”.
Janeiro chegaria. Com ele, o grupo escolar, cujas escadarias eu subiria com ares de soberba, na certeza de pôr fim à metidez da minha irmã mais velha que se achava melhor do que eu só porque sabia ler. Nunca mais ela me inventaria coisas que não estavam escritas no papel só para me fazer de boba. Sim, chegaria o dia de eu herdar a sua blusa branca, as suas meias rendadas três quartos e a sua saia azul-marinho de pregas. O melhor de tudo: herdaria a sua Cartilha com o casalzinho de meninos andando por uma estrada. A felicidade seria total não fosse o uniforme novo que ela ganharia numa espécie de prêmio por ter crescido.  Fingiria nem me importar. Não lhe daria uma brecha que fosse para ela pensar-me em desvantagem. Resignada, daria graças a Deus! Nem todas as crianças da fazenda tinham a mesma sorte. Eu, pelo menos, desfilaria de uniforme, mesmo que fosse surrado.  Em breve eu também o repassaria para minha irmã mais nova. Ah se repassaria! E por acaso também não a enganaria com leitura de tapeação?  Mas também leria para ela as mais belas estórias tiradas das figuras da cartilha. Era um direito de quem podia mais, porque sabia ler e escrever!  
Em segredo, e em silêncio, à força da timidez, não sei por quanto tempo, fui colecionando fios soltos e juntando ponta com ponta, entrelaçando os que eu dava conta ou enovelando outros que mais tarde revelariam as pontas. Fios de dor, medo e carências financeiras. Fios de carinho, afeto e franqueza. O ponto de equilíbrio veio de lambujem.
1966. 1º ano do grupo escolar. Sala cheia. Muitos meninos e meninas desconhecidas. Esquisitos, para falar a verdade! Coisa que digo hoje, mas não naquela época. Choravam. Tinham a mão dura. Não conseguiam seguir a linha, a empunhar o lápis e a manter caderno em posição correta. Nada de começar a cartilha. Observava, sem deixar transparecer minha ansiedade e decepção. Tinha pena daquele braço jovem, de lindos pelos negros bem tratados com uma pulseira, grossa, de ouro, em cuja chapinha se lia “Shirley”.  Com olhos de professora, Dona Shirley vistoriava cada detalhe que pudesse interferir na aquisição do beabá. Eu esperava. Continuava meu namoro antigo com a cartilha... na sala de aula ou deitada num galho de uma mangueira do quintal da fazenda. Ah... isso não tinha preço. Saboreava com a alma cada figura, cada letra, cada história que, mais tarde, pesarosa, vi serem criticadas. Como amava a lição do “x”: “Eu sou a letra x./ Sou uma letra muito interessante/ Sabem por quê?/ Porque tenho cinco valores”.  Lia essa lição até de ponta cabeça. Mesmo antes da barriga do cachorro do dado da faca. Por causa daqueles alunos lentos-lentos, a lição do “X” nunca chegou.
Num pulo, veio a dona Eulália e a dona Cristina e já eu estava no quarto ano com a Dona Nair. Era humanamente severa. Aprendi a diferença de postura e compostura; ostentação e humildade, e o sentido de profissionalismo acima de tudo. Era o ano de fazer o exame de admissão. Dar-se por satisfeito com o diploma primário era cultura da época, sobretudo para a classe baixa. Coisa que a dona Nair não admitia, de jeito nenhum! O curso Ginasial era importante. Nem todos entenderam seu recado. Muitos ficaram de arribada.
1970. Primeira série ginasial. Um monte de disciplinas, várias professoras; só um professor homem, senhor Mauro, o professor sem orelha. Logo no primeiro dia, ele desfez nossas fantasias e nos explicou cientificamente a função das orelhas no corpo humano. A partir dali, treinei para enxergar somente a essência das pessoas. Aprendi a ver o senhor Mauro, o professor de Ciências. As professoras jovens e bonitas, recém-formadas, traziam letras de música com as quais aprendi a polissemia das palavras, a olhar “a rosa da janela” e ter um “sonho pequenino...” e a conhecer o mar e sua extensão sem nunca tê-lo visto, compreendendo, pela letra de João Nogueira, as disputas que se travava por territórios e até por águas do mar. Aprendi a importância de se valorizar o que é nosso. Um pouco depois dessa época, também me dediquei, desastradamente, à tarefa de aprender a “copiar”. “Copiar” para mim era aventura que exigia coragem e expertise. Desejava ser os que eram, geralmente, a atração da sala. A dona Conceição, uma professorinha de vinte e poucos anos, me chamou em particular... estava decepcionada! De mim ela não esperava. Bastou. Aprendi a fazer escolhas. Fui me fazendo. Aprendendo menos do que devia; mais do que eu necessitava.
Um amigo do meu pai, certa vez, chegou à fazenda com um fusca amarelo carregado de livros. Sei que suas filhas gostam de estudar... eu o ouvi dizer. Engraçado... nem gostamos tanto... deve ser porque os outros gostam menos. Mesmo assim, gostei do que ouvira. Mais por vaidade do que por merecimento.
Mas me lembro bem... não foi por falta de excelentes professores. Falavam até da doce Dulcineia de Dom Quixote que, bem mais tarde, fui atraída a lê-lo. É um pecado, mas a professora nunca soube que o li por causa daquele “doce Dulcineia” pronunciado tão enfaticamente há alguns anos. Se não era excelente aluna, também não era a pior. Aprendi a ver, a ouvir e a sentir. Aprendi capturar sentimentos pelas palavras.
 1973. 13/14 anos. 8ª série. Fase negra da minha vida escolar. Poesias e letras de canções apaixonadas ocupavam os espaços dos livros e da mente. Pensava no menino que estaria me esperando no final da aula e que eu, mentirosamente, esnobava. As aulas eram tomadas pela presença dele. Os professores não tardaram a perceber minha desatenção. Em vão, alguns tentaram reverter a situação. Naquele ano, eu estava entre os fortes candidatos à reprovação. Uma vergonha. Minha irmã mais velha, dois anos à minha frente, vibraria com o fracasso. Mudança.  De São Paulo para Mato Grosso.  Salva pelo gongo! Não dei o gosto nem o desgosto para ninguém.
1974.  Fazenda no pantanal. Dois anos fora da escola. No ermo, entre cerrados, onças e sucuris, as ondas do rádio me traziam o mundo. De banalidades à Voz do Brasil; de horóscopo e programas religiosos às aulas do Mobral.  Dois anos tão necessariamente perdidos. Fazia o papel de guarda-livros da fazenda. Os acontecimentos do dia, os afazeres dos peões, as entradas e as saídas, as perdas e os nascimentos de gado eram meticulosamente descritos num livro específico para isso. Tudo era resumido numa folha de papel almaço e enviado para o dono da fazenda em São Paulo no final de cada mês. O pagamento do pessoal chegava via correio. Os recibos eram preenchidos e assinados. A maioria deles com o polegar. Compreendi em que se sustentava a condição de explorado e explorador, antes, muito antes, de conhecer Karl Marx, Paulo Freire ou Leonardo Boff.
 Lia e relia Hamlet, Maomé, O exorcista, Quo vadis? revista Cruzeiro e Amiga,  Lao Tsé, Dom Casmurro, várias vezes. A maioria dos livros fazia parte do acervo que, há alguns anos, chegaram pelo fusca amarelo. Minha mãe não se conformava e não se conformava. Só uma das filhas estudando? É que a mensalidade do internato era cara... as condições financeiras não permitiam pagar um colégio  interno para os três filhos.  Tem que dar um jeito. Onde já se viu crescer como eles cresceram! Sem instrução? Tanto falou que meu pai, a duras penas, alugou uma casa em Rondonópolis. Fazenda só final de semana. Muita despesa e desgaste físico. Nova fase.
1976. 8ª série. Colégio Estadual “Sagrado Coração de Jesus”. Curso noturno. Mais madura, mais centrada. Professores maravilhosos e dedicados. Criativos.  Embora fosse comum ouvir que o estudo de São Paulo era melhor que o de Mato Grosso, não era verdade. Os alunos eram ativos, participativos. A maioria estudava à noite e trabalhava durante o dia. Sem demora eu também já estava empregada. Tínhamos metas e fazíamos planos.  Carência financeira também ensina. Irmã Cirani, professora apaixonante deixou a turma, foi para Campo Grande. A Professora Deusa, recém-chegada da capital de São Paulo a substituiu. Encantada com sua maneira de portar e se comportar, como pessoa e profissional, perguntei em que era formada. E ela, em tom, voz e pronúncia muito bem articulados: Letras e Línguas. Ouvi sem mais palavras. Nem sabia direito o que era aquilo, mas a referência era boa. Guardei aquilo comigo. Fim do curso ginasial, finalmente! Mesmo tendo como referência uma professora, não ia de jeito nenhum fazer o curso normal. Mudaria de escola. Fui fazer o 2º grau, Técnico em Contabilidade por influência da minha “experiência” como guarda-livros.
1977. Curso Técnico em Contabilidade. Decepção. Corpo docente, com exceção de uns três professores, não ligava a mínima para o ensino. Na falta de opção, se instalaram como professores. Nem formados eram. Mas, o que me incomodava não era a falta de formação; era a falta de compromisso. Faltavam professores, e professores faltavam. Era uma desconsideração sem tamanho. Não era preciso estudar muito para tirar boas notas. Nesta época, aprendi abominar a falta de compromisso. Os três que se salvavam garantiram minha permanência na escola. Eram profissionais brilhantes: o professor de História e Educação Moral e Cívica, o de Matemática e a professora de Português. Posso estar cometendo injustiça, mas quando penso no 2º grau, minha referência de bom professor são apenas esses três. Terminei o terceiro ano, sabendo pouco. Mesmo assim, passei no primeiro vestibular para Letras em Rondonópolis. Fiz o primeiro semestre. Casei-me, tive filhos. Optei por cuidar deles.
Em 1988 fiz outro vestibular para Letras. Não para ser professora, mas porque tinha como referência professores que me marcaram como pessoas e profissionais, que eram formados em Letras. Na graduação, tive excelentes professores; o estilo de alguns poucos, porém, me reportava à época do 2º Grau. Aprendi que as singularidades deviam ser respeitadas e que podia aprender muito com elas. Nesse ano, depois de tanto tempo acreditando que sabia escrever, descobri que não sabia. Uma professora, que não era de Português, diante do grande número de alunos com o mesmo problema, parou sua aula e, em dois tempos, mostrou concretamente nossas falhas. Refizemos o texto que ela devolvera, estrategicamente. Aprendi distinguir um texto de um não texto. Não ia ser professora, mas queria escrever como uma. No ano seguinte, o professor de Psicologia, em conversa informal, afirmou que eu tinha nascido professora. Contestei. No estágio supervisionado, a professora disse a mesma coisa. Era verdade. Admiti.  Incorporei a palavra professora em toda sua extensão. Esse era o meu tempo. O tempo de estar preparada para me olhar no espelho de agora e de reconhecer-se na professora que foi, lentamente, esmerilando-se num longo processo de lapidação.  É chegado o tempo do polimento que, a meu ver, só pode acontecer em interação efetiva no campo de atuação.
Eis por que quero ingressar-me no Mestrado em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso – Rondonópolis e participar da linha de pesquisa "Formação de Professores e Políticas Públicas Educacionais. Fazer parte do grupo de pesquisa “InvestigAção - Formação de professores significa, para mim, buscar  caminhos que possam desvendar esse  tão complexo processo de ensino-aprendizagem, sobretudo no processo da aquisição da escrita, algo que parece incomodar todos os setores da sociedade.  


Rondonópolis-MT, 11 de outubro de 2013.