PROJETO MEIO AMBIENTE: CULTIVO DO HÁBITO DO USO DOS 5 rS

2011: Mais um ano letivo pela frente. Em 2010, realizamos com bastante êxito o projeto Gêneros Textuais (orais e escritos), objetivando conhecer, analisar e produzir textos ligados aos Valores Humanos. Neste ano, 2011,a proposta dos gêneros visa desenvolver habilidades e potencialidades relacionadas ao respeito pelo MEIO AMBIENTE, sobretudo à prática ao uso dos 5Rs (Respeitar, repensar, reduzir, reutilizar e reciclar). Por isso, abri um página - MEIO AMBIENTE - só com textos que discorrem sobre o tema. O IFMT campus Rondonópolis não pode prescindir, num momento de agonia do planeta, do seu papel de construção de cidadania. Aguardem!! “Se quisermos ter menos lixo, precisamos rever nosso paradigma de felicidade humana. menos lixo significa ter... mais qualidade, menos quantidade; mais cultura, menos símbolos de status; mais esporte, menos material esportivo; mais tempo para as crianças, menos dinheiro trocado; mais animação, menos tecnologia de diversão; mais carinho, menos presente... (Gilnreiner, 1992)

4 de agosto de 2012

BALANÇO PATRIMONIAL DA MINHA VIDA

AOS MEUS PAIS


O capital inicial não se fez de números
Fez-se de olhares, de gestos,  de palavras
Em diárias doses homeopáticas
na medida - nem de mais, nem de menos.

Fez-se pelo prazer
de aprender a virtude da paciência,
esperando na barranca do rio o peixe que não vinha.

Fez-se pela expectativa
de aprender o poder da contemplação,
mirando o horizonte lá do alto do mourão da porteira do curral.

De aprender a importância da gentileza,
saboreando o leite quente com chocolate
nas manhãs frias antes do ônibus escolar.

Fez-se com um “vai com Deus” aqui,
um sorriso de consentimento ali,
um olhar de reprovação acolá.

Os investimentos
foram amorosos na severidade
e severos na amorosidade.

Sem escassez - sem excessos.

14 de julho de 2012

O CIRCO

O circo

       Meu pequeno e grandioso mundo infantil... Silencioso e tão amplo que não me permitia entender tantas coisas sentidas. Havia muita distância entre o ver, o sentir e o compreender.
      Ver e apreciar a linha do horizonte, por exemplo, nunca me fez compreender o fenômeno. Tampouco a habilidade de pelo menos expressar no papel o sentimento de felicidade ao mesmo tempo tão infeliz que aquela linha ativava em meu cérebro. Um redemoinho de imagens incompreensíveis me deslumbrava. Apenas isso. Eram elas que me apresentavam o mundo que eu iria ser. Morno, insosso... banal... Foram elas, as imagens, vistas e sentidas, mas não-traduzidas, que, mal ou bem interpretadas, me fizeram esse ser. Tentei ser mais, mas é que elas sempre me vinham escorregadias demais. Não consegui traduzir meu próprio mundo. O mundo se desenhava grande demais para minha diminuta capacidade de compreensão. Eram tão poucas palavras! Elas me faltavam toda vez que tentava formular uma ideia. Algumas, vinham tão evasivas que quando dava por mim elas já tinham fugido. As poucas que consegui capturar me custaram muito tempo. O problema é que hoje elas desviaram de caminho. Apenas uma minoria insiste em embolar a minha mente e me provocar como um broto de uma espécie estranha que não encontrando solo adequado nunca eclode. Dói.  Vem à tona, machuca, incomoda. De repente, encroa e fica ali machucando. Machucando muito. Quanta coisa deixei fora do meu ser! Quanta coisa se entranhou em minha vida por eu tê-las acolhido por conveniência.
       Traços de dependência às outras pessoas me ataram dentro de mim mesma. Me curvei, para agradar; chorei pela dor do outro; dissimulei satisfação para não insatisfazer. Disse sim quando poderia ter dito não. Gênero de boa moça. Me escapei de mim mesma... Era o medo do desamparo, da solidão. Imagens escorregadias, pensamentos frouxos, preguiçosos, traiçoeiros...
      O medo do escuro me empurrou para um abismo infinito.  Escolhi o mapa errado. Desviei caminhos sem me encontrar. Preferi a porta larga à porta estreita. A porta estreita só dava passagem pra mim mesma. Caminhar é aterrorizante quando pensamentos são fugidios. Eu nunca avistei o meu ponto de luz.
    Mais uma vez desvio caminhos. A escuridão me impediu de compor o que realmente foi a história do circo. Dói. Apenas dói e nada consigo entender.


O SARILHO

O sarilho




O arrebol já se fazia baixo no horizonte. Era um banzé de galinha, pintinho, peru, angolas, gansos e crianças que se amontoavam num zunzunzum no terreiro de terra batida. As crianças, para tirar o macuco que o quintal lhes impregnava, numa bacia de banho; as criações, para ciscar o milho da tarde e se empoleirarem na laranjeira muito cheia de espinhos. Os cavalos puxados pelas rédeas eram recompensados com uma baldada de água fresca no lombo suado. Os peões estropiados se sentavam nas tábuas que eram dispostas em círculo para uma talagada de cachaça pra tirar a poeira da garganta. O campeio fora cansativo. Minha mãe com seu vestido amarelado, puído na barriga de tanto roçar no batedouro de aroeira escalavrada a machado e no fogão de lenha, dava as ordens às três filhas mais velhas.

Fim de tarde... Vida dura era a das irmãs mais velhas. Elas é que ajudavam na lida com os irmãos mais novos. Hora de encher os potes, os cochos das criações, recolher lenha, moer o café e socar o arroz para o dia seguinte e ainda dar banho nos irmãos menores. Ai, os irmãos menores! Tinham de vir arrastados, choramingando, para o bacião do banho. Ninguém queria largar a brincadeira no quintal. No bacião, aquele bando de macuquento levava cada safanão e cada cascudo! A bucha ressecada passada com mais força do que o necessário, e os menores berravam sem cerimônia para a mãe ralhar com as irmãs mais velhas. Como era bom ver a mãe intervindo com a braveza de sempre. “AIAI! Cê tá me machucano! E imediatamente, da cozinha, vinha a voz de censura: “Cria vergonha, cavalona! Não vê o seu tamanho?” E a buchada comia com mais força ainda.

Criações já empoleiradas, crianças de banho tomado, pratos feitos fumegando sobre um grande mesa de madeira rústica. Era bom, da mesa, observar o movimento do terreiro. As irmãs mais velhas ainda no batente. Era hora puxar água para encher os tambores de 200 litros. Essa tarefa naquele dia era da caçula das três mais velhas. Considerada, desde pequena, a ranheta, a dengosa e a cheia de tic-tac, ela estava no auge da busca pela auto-afirmação: 12 para 13 anos. Das três, era a única que estava fazendo o ginásio e isto lhe assegurava o direito de empinar o nariz e bater de pés juntos que aquilo não era vida. Um dia, e não demoraria muito, sairia daquela vidinha ordinária. Deslizava sob o brilho de um grande lustre; nos braços de um novo amor. Enlevada pelo glamour e pela atenção que se voltava para ela, esqueceu-se no braço de um sarilho, mal acoplado no suporte da cisterna. Automaticamente o balde subia e descia ao ritmo da hit do momento “ tudo nessa vida passa/ o nosso amor também passou/ agora eu até acho graça/ lembrando que chorei no fim do nosso amor.” E ela ia rodando, no mesmo movimento da corda, uma volta e outra e outra... Sobre o vestido, uma túnica, de cetim vermelha bordada em lantejoulas que a fazia reluzir da cabeça aos pés. E assim se deixava levar pela galhardia do cavalheiro de cujo sorriso vinham raios de luz para formar um só feixe luminoso. Dali a pouco, os dois se instalariam numa imensa jardineira só para eles e seguiriam para o palácio do Generoso, onde seriam recebidos com muita pompa pelos criados. Os rodopios foram se fazendo intermitentes, num ritmo tão acelerado que o estrondo se fez: o sarilho escapou do suporte e foi com tudo para o fundo do poço. A princesa não pôde embarcar na jardineira com seu príncipe. Em vez disso, teve de amargar um baita molho por causa da surra que levara da mãe. Ô, menina desatenta! Cabeça de vento!

Nunca nem a mãe e nem nenhum dos que a condenaram pelo incidente souberam o motivo de tanta falta de atenção.

10 DE JULHO DE 2012

13 de julho de 2012

IFMT - CAMPUS RONDONÓPOLIS - CARTA ABERTA À COMUNIDADE RONDONOPOLITANA

SINDICATO NACIONAL DOS SERVIDORES FEDERAISDA EDUCAÇÃO BÁSICA, PROFISSIONAL E TECNOLOGICA. Fundado em: 11/11/1988 - Filiado à CSP-Conlutas e CEA SEÇÃO SINDICAL RONDONÓPOLIS– MT Fundada em: 19/07/2011

CARTA ABERTA À SOCIEDADE RONDONOPOLITANA

 
Os professores e técnicos administrativos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT), Campus Rondonópolis, em greve desde 18 de junho, veem-se no dever de vir a público dar uma satisfação à comunidade rondonopolitana, sobretudo aos nossos alunos e pais, a respeito da nossa paralisação.

Sabemos que não é tarefa fácil falar em greve por questões salariais e melhores condições de trabalho na educação ou em qualquer outro setor, quando a maioria da população sobrevive com baixos salários e não usufrui das melhores condições de trabalho.

Entretanto, sabemos que muito do pouco, que já conquistamos até hoje, é decorrente de negociações em diferentes contextos históricos. A greve é uma forma legítima de nos organizarmos para defender nossas ideias e interesses e, historicamente, tem contribuído para a organização da sociedade. Neste momento, ela se faz necessária, uma vez que foram esgotadas outras possibilidades de negociação.

Somos trabalhadores! Lutar pelos nossos direitos é uma forma de exercermos nossa cidadania. Cidadania que implica, antes de tudo, unir forças para a construção de uma sociedade mais justa. É uma forma de mobilizar a sociedade, pelo ideal de se implantar no país a prática da POLÍTICA. Não essa “indústria de explorar o benefício de interesses pessoais”, mas a política que Rui Barbosa definiu como arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis. Uma política que torne possível a convivência pacífica e cooperativa entre os grupos e pessoas na sociedade. Quantos problemas de ordem social, econômica e cultural (que acreditamos serem naturais) seriam extirpados de vez, se a política de Rui Barbosa fosse praticada!

Acreditamos que nossas reivindicações exigem apenas empenho de nossos representantes políticos no sentido de direcionar com retidão as verbas públicas, planejando, administrando e fiscalizando-as. Assim se evitariam tantos desvios, que prejudicam o bem comum e influenciam negativamente na hora de o governo destinar adequadamente verbas para atender às demandas da educação, saúde, habitação, segurança, transportes, lazer, etc. Na pauta de reivindicações, estamos pleiteando: recomposição de perdas salariais anuais acumuladas de 22,08%; definição de data-base para nossa categoria; a destinação de 10% do PIB para a educação pública; mudanças na Medida Provisória 568; reestruturação das carreiras (Docentes e Técnicos Administrativos em Educação); processos democráticos para escolha de gestores e melhoria das condições de trabalho (Anexo – Pauta de Reivindicações).

Esperamos que esse movimento grevista seja visto como uma forma que temos para influir nos rumos do ambiente em que vivemos, em vez de nos deixar levar por ele. Como forma de luta por nossos direitos sim, mas pensando também nos direitos, convicções e valores de todos. “Se os nossos direitos cabem no papel, a conquista deles cabe em nossas mãos”.

12 de julho de 2012
 
Servidores do IFMT, Campus Rondonópolis - MT
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

8 de julho de 2012

GRETAS


AS GRETAS

           

            Tábuas muito largas, compridas, empretecidas e apodrecidas pelo sol, água, falta de caiação e de zelo formavam as imensas paredes da velha sede. Sede rodeada pela curralama de lascas, toscamente colocadas na horizontal; por um mangueirão de lascas colocadas uma a uma na vertical; e, por um velho e doce pomar. Ao norte, a "reta", onde passava o ônibus que nos levava ao patrimônio. Ao sul uma lagoa, formosa, mas com jacarés, e mico, muito pó de mico, onde éramos proibidos de entrar.   Ao leste, a fazenda da viúva Julieta no final de um abandonado campo de aviação; a oeste, a reserva do coronel Arlindo.  

            O ar sombrio, encardido e melancólico daquelas imensas tábuas respingava em cada um de nós, acastanhando nosso corpo e alma. Num ou noutro vão das tábuas, uma ripa que aparava as gretas. Mal pregadas, com o tempo, algumas se despregavam, e a gente acabava de arrancar. As gretas, da grossura de um dedo, era um canal por onde me chegavam coisas do aquém e do além mundo. Um caibro arrodeava as paredes internas, à altura dos nossos ombros ou um pouco mais, suportando as tábuas e um horror de bugigangas que eram ali colocadas: anzol, linha de pescar e de costura, caneca, lamparina, óleo de lamparina e de cozinha,  farolete, pilhas Rayovac do rádio de mesa Semp, chicletes ping-pong que se guardava para o outro dia e toda sorte de qualquer coisa que era lixo, mas que podia servir para em caso de precisão, dizia minha mãe.  A sala da frente tinha o piso de vermelhão mal-acabado que era um luxo. O resto da casa era de assoalho também de largas tábuas encardidas com muitas gretas. Gretas... era assim que chamávamos aquelas fendas papa-trecos: minha fonte de imaginação.

            Sim, as gretas... Eram fantásticas!! Eram elas que me traziam o mundo e ao mundo. Dia e noite.  Aprendi o mundo pelas gretas! E isso explica muito do que sou.  De dia, o sol me trazia seres que só mais tarde descobri serem da noite. De noite, a escuridão me trazia sombras que mais tarde descobri serem meus conselheiros. Fantasmas, bois e vacas bravas, ferrões, peões embriagados e valentes, grileiros, pai invernado nas invernadas, espingardas, ladrões, bichos-papões, espíritos de escravos que o coronel mandou surrar até matar. Era o vento gelado que entrava candente pelas gretas do lado oeste. Da mata fechada. E eu ficava ali vendo homens, mulheres e principalmente criancinhas, que desobedeceram às ordens superiores, sendo chicoteados impiedosamente pela alma do Coronel que, montado num enorme cavalo preto reluzente, tomava forma de verdugo para perpetuar seu poder. Nossa! Meu quarto ficava repleto de vivas labaredas violentas.  A peonada era acionada. Só fogo cruzado acalmava a voracidade das enormes línguas vermelhas.  

            As mesmas gretas me traziam, num cone longo e alegre, um rico e colorido repertório imagístico do meu ser, tão distante. Eu acompanhava seu trabalho. Aquele cone se afunilava, afunilava, até se desintegrar, num canto da sala de vermelhão, com a faceirice de quem cumpriu seu dever.  E ali se deixava cair aliviado.  Eram dezenas de milhares de fragmentos, tão minúsculos que até hoje tento juntar. Eu me perdia nesse intento. E minha mente fervia.  Um diálogo interior era travado com todos aqueles fragmentos multifluorescentes que chispavam tomando forma ao meu comando.  Meu comando era frágil, as formas não se fixavam. Eram velozes como o meu pensamento, escorregadio, volátil. Fugaz, maldosamente fugaz. Mas eu pensava...  desordenamente como as falas internas... num descompasso sem fim.  E nada eu entendia. Pensava tanto... eram tantas pontas de fios perdidos.  Uma e mais uma e mais uma... A trama sempre por fazer. Um vai e vem de pensamentos para ser num  tempo e espaço tão infinitamente superiores a mim, que me faziam doer o silêncio.  Silêncio que vez ou outra era rompido longe longe pelo motor de um avião bem pequenininho.  O tempo não passava. Deitava-me de bruços no assoalho da sala do meio.  Perscrutava com uma faca de mesa cada milímetro das fendas que se abriam para mim. Buscava tesouros: alianças de ouro, anéis de brilhante, moedas de ouro que o coronel ali enterrava. Eu ia pinçando tantas coisas: palito de fósforo, agulha quebrada de máquina de costura, fiapos de linha, papel de prata do maço de cigarro Continental do meu pai. O cone dourado desaparecia. O tempo passava e eu voltava para ele, entorpecida, esperando entrar pelas mesmas gretas os meus professores da noite.

                                                                                       16 DE JULHO DE 2008/1966


7 de julho de 2012

GREVE PROFESSORES IFMT CAMPUS RONDONÓPOLIS



CARTA ABERTA À SOCIEDADE RONDONOPOLITANA



Rondonópolis, 07 de julho de 2012
 Os professores e técnicos administrativos do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de Mato Grosso, Campus Rondonópolis (IFMT – Campus Rondonópolis) veem-se no dever de vir a público dar uma satisfação à comunidade rondonopolitana, sobretudo aos nossos alunos, a respeito da paralisação do nosso campus.
Sabemos que não é tarefa fácil falar em greve por melhores condições salariais e/ou melhores condições de trabalho na educação  ou em qualquer outro setor, quando a maioria da população sobrevive com um salário mínino e nem sempre usufrui das melhores condições de trabalho.
Entretanto, sabemos que muito do pouco, que já conquistamos até hoje, é decorrente  desses momentos de negociações  em diferentes períodos históricos. Portanto, se  greve não é o melhor caminho (como de fato não deveria ser), ela, para o contexto social e político em que vivemos, ainda é necessária. Sem contar que ela é uma forma legítima de nos organizarmos para defender nossas idéias e interesses, e isso já mostrou que tem contribuído para a  organização da sociedade em sentido mais amplo.
Engajar nessa luta pelos nossos direitos é uma forma de exercermos nossa cidadania. Cidadania que implica, antes de tudo, em descobrir como nossas forças podem contribuir para construir uma sociedade mais justa. É uma forma de mobilizar a sociedade no sentido de lutar, dentre outras coisas, pelo ideal de se implantar no país a prática da POLÍTICA. Não essa “indústria de explorar o benefício de interesses pessoais”, mas a política que  Rui Barbosa definiu como arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis. Uma política que torne possível a convivência pacífica e cooperativa entre os grupos e pessoas na produção da própria  existência da sociedade. Quantos problemas de ordem social, ecomômica e cultural (que passamos a acreditar serem naturais) seriam extirpados de vez da sociedade, se a política de Rui Barbosa fosse praticada!
Acreditamos que nossas reivindicações,  certamente, exigem muito pouco. Apenas empenho de nossos representantes políticos no sentido de direcionar com retidão as verbas públicas, planejando,  administrando e fiscalizando-as, a fim de se evitar tantos desvios  de verbas que deveriam ser destinadas ao bem comum. Não podemos fazer de conta que “estas contas” não influenciam negativamente na hora de o governo destinar adequadamente verbas para as devidas pastas: educação, saúde, habitação, segurança, etc.
Na pauta de reivindições, estamos pleiteando, além de uma política salarial, a destinação de 10% do PIB para a educação pública; mudanças na MP 568; reestruturação das carreiras (Docentes e Técnicos Administrativo em Educação – TAE); democracia e melhoria das  condições de trabalho.
 Esperamos que esse movimento grevista seja visto como uma forma que temos para influir nos rumos do ambiente em que vivemos, em vez de nos deixar levar por ele. Como forma de luta por nossos direitos sim, mas pensando também nos direitos, convicções e valores de todos.  “Se os nossos direitos cabem no papel, a conquista deles cabe em nossas mãos”, se assim não for, não merecemos tê-los.






SINDICATO NACIONAL DOS SERVIDORES FEDERAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA, PROFISSIONAL E TECNOLOGICA.

24 de junho de 2012

DIMENSÕES POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

TEXTO A PARTIR DA LEITURA FEITA NO GRUPO DE ESTUDOS DO PROFESSOR ADEMAR CARVALHO
 
DIMENSÕES POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA. Orgs. Maria Vieira Silva e Maria Alejandra Corbalán. Alíena Editora.

A base de toda conquista é o professor. Com esse verso do jingle da campanha “Todos pela Educação”, cujo objetivo é garantir uma educação de qualidade para todos os brasileiros até 2022, é que convido meus colegas professores para uma reflexão sobre a importância de se compreender as potencialidades da dimensão política na prática pedagógica.
Sabe-se que o homem, como ser histórico – detentor de vontades, aspirações, anseios, interesses, expectativas –, para fazer-se sujeito, precisa relacionar-se historicamente com outros homens que também precisam se fazerem sujeitos. Não qualquer sujeito, mas sujeitos humanizados!
Nesse contexto interacional, a educação contemporânea deve ser concebida como prática intrinsecamente política. Para M. Chauí (1994), política é o modo pelo qual a sociedade internamente dividida discute, delibera e decide em comum para aprovar ou reiterar ações que dizem respeito a todos os seus membros. Para Vítor Henrique Paro (p.18), a política deve ser entendida como atividade humano-social com o propósito de tornar possível a convivência pacífica e cooperativa entre os grupos e pessoas na produção da própria existência da sociedade.
Entendida desta forma, a política não deve mais ser vista como luta de classes, mas como prática democrática, capaz de “incluir todos os mecanismos, procedimentos, esforços, recursos que se utilizam, em termos individuais e coletivos, para promover o entendimento e a convivência social pacífica e cooperativa entre os sujeitos históricos”.
Sob esse prisma, o processo pedagógico só pode ser concretizado se se supor a concordância do educando como um ser de vontade. Caso contrário, o processo será fundado em meios que negam o alcance dos objetivos. A educação, portanto, exige o envolvimento do educando com sua vontade e ação. O desenvolvimento intelectual da criatura humana evoluiu e com ele evoluíram os métodos pedagógicos para educação da criança. A aprendizagem deve ocorrer por meio da lealdade e compreensão a fim de que a criança seja estimulada à conquista do conhecimento e do ajustamento social em padrões de harmonia e de respeito por todos, incluindo a natureza e tudo quanto existe.
O ensino-aprendizagem voltado apenas para a absorção de conhecimento e que tem sido objeto de preocupação constante de quem ensina deverá dar lugar ao ensinar a pensar, saber comunicar-se e pesquisar, ter raciocínio lógico, fazer sínteses e elaborações teóricas, ser independente e autônomo; enfim, ser socialmente competente.
Nesse contexto, o professor deve descobrir seu poder. E poder significa força. Não no sentido de sua imposição, mas como fortalecimento de liberdade que é construída coletivamente como obra humana histórica; pois, a educação assim entendida, constitui-se em autêntica relação social – não qualquer uma, mas “aquelas que se constituem na aceitação mútua, isto é, na aceitação do outro como um legítimo outro na convivência” (Maturana, 1998, p95).
Portanto, a educação, concebida por este prisma, deve ser dialógica (Paulo Freire (1975). E diálogo supõe a conversa de ambos os sujeitos envolvidos – educador e educando. Envolve o saber ouvir e a consideração pelo que o outro diz. Por essa relação se exerce e se aprende a colaboração. Por essa relação se aprende e se exerce o político como democracia. A colaboração entre grupos e pessoas é essencial à convivência pacífica e ao desenvolvimento histórico da sociedade. “Não é a luta o modo fundamental de relação humana, mas a colaboração (Maturana, 1998, p. 34).
A educação contemporânea necessita resgatar valores ético-morais que foram relegados a plano secundário, elaborando a conscientização da responsabilidade do ser perante a si mesmo, ao seu próximo e à vida. Deve estruturar-se no conceito de realização integral, abrangendo valores culturais sociais econômicos e morais do ser humano.
Essa é a política que permeia a educação contemporânea. Daí a importância de considerarmos intrinsecamente políticas nossas práticas pedagógicas, reconhecendo-as como importantes ferramentas de convivência social. Somos conscientes da complexidade da convivência social que vem carregada de conflitos de ordens diversas – tanto de nossa parte como da parte dos educandos. Mas, apesar disso, se queremos consolidar os ideais da paz, da liberdade e da justiça social, não podemos – pais e professores – abrir espaços para esmorecimentos.
O desafio deste século é ensinar crianças e jovens a aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a Ser. Esses desafios são conquistados coletivamente, mas sua base está na prática político- pedagógica do professor que está frente a frente com o aluno em sala de aula.

Arlete Fonseca de Oliveira
24 de junho de 2012

14 de fevereiro de 2012

HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL

História da saúde pública no Brasil
http://pessoas.hsw.uol.com.br/historia-da-saude.htm

por Luís Indriunas




No início, não havia nada. A saúde no Brasil praticamente inexistiu nos tempos de colônia. O modelo exploratório nem pensava nessas coisas. O pajé, com suas ervas e cantos, e os boticários, que viajavam pelo Brasil Colônia, eram as únicas formas de assistência à saúde. Para se ter uma idéia, em 1789, havia no Rio de Janeiro, apenas quatro médicos.

Com a chegada da família real portuguesa em 1808, as necessidades da corte forçaram a criação as duas primeiras escolas de medicina do país: o Colégio Médico-Cirúrgico no Real Hospital Militar da Cidade de Salvador e a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro. E foram essas as únicas medidas governamentais até a República.






Enciclopédia Delta Universal
Charge sobre a revolta da vacina


Foi no primeiro governo de Rodrigues Alves (1902-1906) que houve a primeira medida sanitarista no país. O Rio de Janeiro não tinha nenhum saneamento básico e, assim, várias doenças graves como varíola, malária, febre amarela e até a peste espalhavam-se facilmente. O presidente então nomeou o médico Oswaldo Cruz para dar um jeito no problema. Numa ação policialesca, o sanitarista convocou 1.500 pessoas para ações que invadiam as casas, queimavam roupas e colchões. Sem nenhum tipo de ação educativa, a população foi ficando cada vez mais indignada. E o auge do conflito foi a instituição de uma vacinação anti-varíola. A população saiu às ruas e iniciou a Revolta da Vacina. Oswaldo Cruz acabou afastado.








Enciclopédia Delta Universal
Oswaldo Cruz










Ninguém aceitou a imposição


A forma como foi feita a campanha da vacina, revoltou do mais simples ou mais intelectualizado. Veja o que Rui Barbosa disse sobre a imposição à vacina: “Não tem nome, na categoria dos crimes do poder, a temeridade, a violência, a tirania a que ele se aventura, expondo-se, voluntariamente, obstinadamente, a me envenenar, com a introdução no meu sangue, de um vírus sobre cuja influência existem os mais bem fundados receios de que seja condutor da moléstia ou da morte.”




Apesar o fim conflituoso, o sanitarista conseguiu resolver parte dos problemas e colher muitas informações que ajudaram seu sucessor, Carlos Chagas, a estruturar uma campanha rotineira de ação e educação sanitária.






Enciclopédia Delta Universal
Carlos Chagas



Pouco foi feito em relação à saúde depois desse período, apenas com a chegada dos imigrantes europeus, que formaram a primeira massa de operários do Brasil, começou-se a discutir, obviamente com fortes formas de pressão como greves e manifestações, um modelo de assistência médica para a população pobre. Assim, em 1923, surge a lei Elói Chaves, criando as Caixas de Aposentadoria e Pensão. Essas instituições eram mantidas pelas empresas que passaram a oferecer esses serviços aos seus funcionários. A União não participava das caixas. A primeira delas foi a dos ferroviários. Elas tinham entre suas atribuições, além da assistência médica ao funcionário e a família, concessão de preços especiais para os medicamentos, aposentadorias e pensões para os herdeiros. Detalhe, essas caixas só valiam para os funcionários urbanos.

Esse modelo começa a mudar a partir da Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas toma o poder. É criado o Ministério da Educação e Saúde e as caixas são substituídas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), que, por causa do modelo sindicalista de Vargas, passam a ser dirigidos por entidades sindicais e não mais por empresas como as antigas caixas. Suas atribuições são muito semelhantes às das caixas, prevendo assistência médico. O primeiro IAP foi o dos marítmos. A União continuou se eximindo do financiamento do modelo, que era gerido pela contribuição sindical, instituída no período getulista.

Quanto ao ministério, ele tomou medidas sanitaristas como a criação de órgãos de combate a endemias e normativos para ações sanitaristas. Vinculando saúde e educação, o ministério acabou priorizando o último item e a saúde continuou com investimentos irrisórios.

Dos anos 40 a 1964, início da ditadura militar no Brasil, uma das discussões sobre saúde pública brasileira se baseou na unificação dos IAPs como forma de tornar o sistema mais abrangente. É de 1960, a Lei Orgânica da Previdência Social, que unificava os IAPs em um regime único para todos os trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o que excluía trabalhadores rurais, empregados domésticos e funcionários públicos. É a primeira vez que, além da contribuição dos trabalhadores e das empresas, se definia efetivamente uma contribuição do Erário Público. Mas tais medidas foram ficando no papel. A efetivação dessas propostas só aconteceu em 1967 pelas mãos dos militares com a unificação de IAPs e a conseqüente criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Surgiu então uma demanda muito maior que a oferta. A solução encontrado pelo governo foi pagar a rede privada pelos serviços prestados à população. Mais complexo, a estrutura foi se modificando e acabou por criar o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) em 1978, que ajudou nesse trabalho de intermediação dos repasses para iniciativa privada. Um poucos antes, em 1974, os militares já haviam criado o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), que ajudou a remodelar e ampliar a rede privada de hospitais, por meio de empréstimos com juros subsidiados. Toda essa política acabou proporcionando um verdadeiro boom na rede privada. De 1969 a 1984, o número de leitos privados cresceu cerca de 500%. De 74.543 em 1969 para 348.255 em 1984. Como pode se ver o modelo criado pelo regime militar era pautado pelo pensamento da medicina curativa. Poucas medidas de prevenção e sanitaristas foram tomadas. A mais importante foi a criação da Superintendência de Campanhas da Saúde Pública (Sucam).

Durante a transição democrática, finalmente a saúde pública passa a ter um fiscalização da sociedade. Em 1981, ainda sob a égide dos militares, é criado o Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (Conasp). Com o fim do regime militar, surgem outros órgãos que incluem a participação da sociedade civil como o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems).

Se de um lado, a sociedade civil começou a ser mais ouvida, do outro, o sistema privado de saúde, que havia se beneficiado da política anterior, teve que arranjar outras alternativas. É nesse período que se cria e se fortalece o subsistema de atenção médico-suplementar. Em outras palavras começa a era dos convênios médicos. Surgem cinco modalidades diferentes de assistência médica suplementar: medicina de grupo, cooperativas médicas, auto-gestão, seguro-saúde e plano de administração.

A classe média, principal alvo destes grupos, adere rapidamente, respondendo contra as falhas da saúde pública. O crescimento dos planos é vertiginoso. Em 1989, já contabilizam mais de 31 mil brasileiros, ou 22% da população, faturando US$ 2,4 bilhões.

Ao lado dessas mudanças, os constituintes da transição democrática começaram a criar um novo sistema de saúde, que mudou os parâmetros da saúde pública no Brasil, o SUS, que será detalhado em outro artigo.




­No campo, fora dos hospitais


O trabalhador rural ficou por século excluído de qualquer auxílio sistemático à saúde. Somente em 1963, foi criado o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), que começa a prever aposentadoria e assistência médica. Tal negligência é historicamente explicado. Na criação das caixas de assistência, a elite cafeicultora e canavieira pressionou para que a novidade fosse limitada aos centros urbanos. Além disso, a mobilização social no interior sempre sofreu revezes com a falta de articulação. Com a criação do SUS, eles foram finalmente incluído como cidadãos no sistema de saúde. Mas como você poderá ver na página sobre os problemas regionais do sistema, os trabalhadores rurais ainda recebem tratamento à margem dos centros urbanos.

8 de fevereiro de 2012

DIÁRIO: UM MINEIRO NAS TRINCHEIRAS DA GUERRA

 Estes e outros textos que serão aqui postados é o resultado da produção dos alunos do segundo ano do Ensino Médio do Centro Integrado de Ensino, na aula de Língua Portuguesa. Meu objetivo era que os alunos se colocassem na posição do outro, responsabilizando-se pela coerencia da narrativa. 

Como foi parar ali e o que aconteceu no dia em que acordou e estava sozinho

 Aluna: Bruna Maria Batista
Série: 2. ano do Ensino Médio
Apesar de o frio não mais queimar os nervos, ossos e músculos, ainda podia sentir o odor de sangue velho e óleo diesel, que é o cheiro da guerra. Naquela manhã de primavera de 17 de abril de 1945, o soldado Passos Dias Aguiar, da Força Expedicionária Brasileira, FEB, acordou no silêncio de uma cidade devastada e no meio da poeira que restava do caos da Batalha de Montese. Ainda sentindo vertigens, Passos demorou a perceber que estava só e fora esquecido embaixo dos destroços de um Panzer, tanque de guerra alemão temido e famoso entre os soldados aliados. Sua primeira atitude foi se mexer para ver se tinha algum ferimento. Sentiu na panturrilha uma dor que já conhecera na tomada de Monte Castelo: estilhaços de bala da metralhadora nazista MG42, conhecida pelos brasileiros como lurdinha. Fora isso, o restante dos ferimentos era corriqueiro. Cacos de vidro pelo corpo, arranhões e cortes eram comuns e, pelo tempo que já vinha sofrendo com isso, parecia que seus glóbulos brancos haviam criado imunidade contra eles, pois não se curvavam a qualquer tipo de infecção que poderiam causar e até os  havia passado da categoria de ferimentos para a de machucados.
Após ver que os estilhaços não lhe prejudicavam a locomoção, tentou achar um lugar para se esconder e verificar se estava realmente sozinho. Viu ruínas de uma casa e percebeu o efeito terrível dos tiros e bombardeios na pequena cidade italiana de Montese. A casa tinha marcas de sangue. Estava toda esburacada, as portas destroçadas, os móveis em desordem. Olhou ao redor da cidade e viu que o único companheiro que poderia ter ali era o inseparável medo. Como procurava sempre o lado positivo dos fatos, o pracinha pensou com as últimas gotas de humor de um soldado na guerra: “Pelo menos não precisa pedir licença para entrar”. Entrou na casa. Instintivamente, procurou o que restava da cozinha para ver se encontrava algum alimento e uma mesa para colocar e ver o que tinha sobrado na mochila de 25 quilos que tinha que levar com todos os equipamentos e mantimentos para a possível sobrevivência naquele ambiente hostil. Passou por aquilo que achava ser uma sala, pois havia um sofá empoeirado, uma lareira, uma mesa de canto com um pé quebrado e um porta-retrato caído sobre ela. Arrumou-o para ver se era a foto da família que ali habitara. Não era. Era a personalidade que representava todas as características de um ditador populista, o poder e o sorriso de Benito Mussolini. Passos ficou admirado por ter encontrado uma foto dele ali. Suas pretensões e as de Hitler é que haviam sido a causa da guerra e eram os culpados por aquela casa estar do jeito que estava. Mas não julgou a família por isso. Naquela guerra, todos eram vítimas da boa oratória e do carisma dos ditadores. Além disso, não podia julgar uma família italiana, pois, no Brasil, muitas famílias também colocavam o retrato de Getúlio Vargas na sala. “Devem estar agora com raiva dele” –  pensou. Deixou o porta-retrato do jeito que estava para evitar olhar novamente para aquela imagem.
Ao chegar à cozinha, abriu o armário caído no chão. Não havia nada. Claro que não havia. Nesses tempos, comida valia mais que ouro. Havia pratos e louças quebrados pela cozinha inteira. A mesa, virada para servir de proteção contra tiros, estava perto da janela. Colocou-a no lugar. Não aguentou a poeira que subiu e tossiu. Pôs a mochila sobre a mesa e começou a retirar tudo o que havia nela. Tinha de tudo: uma lanterna, um mapa da região dos Apeninos, dois maços de cigarros, uma baioneta, foto da atriz americana Rita Hayworth – que trocou com um soldado americano por uma nota de cruzeiro – notas de dinheiro alemão, americano e italiano, cartuchos das armas, dois pares de meia que precisavam ser lavados, um prato de metal, uma colher, um garfo, o kit de primeiros socorros com duas penicilinas, uma bússola, tesoura, lâminas de barbear, um espelho, luvas, barra de chocolate americano, uma caixa de fósforos, latas de ração, fotos dos colegas de batalhão, um caderno pequeno, uma caneta, um terço que ganhara da avó, uma Bíblia, cartas que recebera de sua namorada Marieta, uma agulha com um carretel de linha para costurar os furos da farda, uma foto da família, um pedaço de corda, um cobertor que achara uma vez numa casa ao desembarcar em Nápoles e mais um punhado de utensílios que recebera durante as batalhas ou que colecionara durante as passagens por diversas cidades italianas para que pudesse mostrar aos amigos e familiares quando voltasse para casa.
Após colocar os objetos em cima da mesa, pensou que tudo poderia ser útil em tempos de guerra. Os cigarros, as luvas e as meias o aqueciam nos dias frios; a baioneta servia mais para abrir latas do que ferir o adversário; o chocolate dava energia; a Bíblia, o terço e as cartas da namorada eram companhia quando se encontrava sozinho na trincheira e esperava o ataque do inimigo. Além da mochila de 25 quilos, carregava um colete, capacete, cantil com água, uma faca, uma pistola Colt M1911 e uma submetralhadora Thompson M1.
Porém, havia três objetos aos quais dava mais importância. O primeiro eram as seis latas de ração norte-americana, que vinha sendo sua alimentação há muito tempo. Diziam que trazia todos os nutrientes necessários para uma boa alimentação. Poderia até trazer, mas uma coisa era certa: tinha um gosto horrível. Como todo bom mineiro, Passos amava e sentia saudades do pão-de-queijo, de uma boa feijoada e dos doces caseiros de sua casa. O segundo era a penicilina. Apesar de não saber o que era, a sua história e a de Alexander Fleming, sabia que aliviava a dor e que já salvara a vida de muitos de seus companheiros. O terceiro era a foto de sua família. Todos estavam nela: o irmão caçula Pedro, as irmãs Maria e Madalena, o irmão José, o irmão mais velho João, a tia Teresa, a avó Rosa, a mãe Aparecida e o pai Juca. Estavam até os dois cachorrinhos Baleia e Fubá. A foto fora tirada no quintal da sua casa. No fundo, aparecia o pomar. A casa ficava num sítio em São João Del Rei do qual a família tirava todo o sustento. A vida era simples, mas nunca lhe havia faltado alimento. Sentia muitas saudades de nadar na lagoa, de comer da comida de fogão à lenha, de acordar com o som do galo cantando, de tirar leite da vaca Mimosa, de ver o pôr-do-sol e do cheiro de mato. Trabalhava na roça e vendia o que era produzido na feira da cidade. Gostava das festas de São João, de passear com Marieta na quermesse e de ir à Igreja todos os domingos. Passos se sentou na única cadeira que estava inteira e acendeu um cigarro. O ambiente bucólico despertou-lhe no coração um sentimento de dor e saudade que o fez refletir por algum tempo sobre como viera parar ali.
Tudo começou no dia 17 de agosto de 1942, quando o navio cargueiro Itagiba foi atingido em cheio pelo submarino alemão U-507. Para tentar uma vida melhor, seu irmão mais velho João foi embora para o Rio De Janeiro e se alistou na Marinha. Infelizmente estava a bordo do Itagiba e não estava entre os sobreviventes. Passos e sua família somente ficaram sabendo da tragédia um dia depois, numa terça-feira, dia 18. Viram a notícia estampada na capa de um jornal da cidade. A dor foi grande. Passos, a partir dali, passou a alimentar o desejo de se vingar da morte do irmão. Como a revolta e a pressão popular eram imensas, em 22 de agosto de 1942, o governo brasileiro declara guerra contra o Eixo. Não vendo oportunidade melhor para matar nazistas e se vingar, Passos se alista ao Exército, na Companhia do 1° Batalhão do 11° Regimento de Infantaria, com sede na própria São João Del Rei. Tinha todos os requisitos mínimos para se alistar: mais de 60 quilos, pelo menos 1,60 metro e 26 dentes na boca.
Passos foi treinado de 1942 a 1944. O treinamento era pesado; o sargento, chato; a rotina de exercícios, monótona. Aprender a ler mapas e a mexer em aparelhos com os quais nunca tivera contato: armas, rádios, bússola. Mesmo assim, foi uma fase inesquecível, principalmente por causa dos colegas que viraram grandes amigos. Nas poucas folgas que tinham, jogavam baralho, tomavam cerveja, davam risada, falavam sobre a sessão de cinema e discutiam qual era a mais bela atriz. Ainda lhes sobrava tempo para aprontar com o sargento, é claro, ele não podia podia ficar de fora. Colocavam apelidos uns nos outros e jogavam futebol. Tinha gente ali de todos os cantos do país, com os mais diferentes sotaques.
Como tudo o que é bom dura pouco, no dia 02 de julho de 1944, Passos e seus colegas embarcaram no navio americano General W. A. Mann e cruzaram o Oceano Atlântico em direção à Europa. A viagem inteira foi tomada pelo medo de submarinos alemães atingirem o navio e por enjôos do balanço das águas. O navio era apertado, e tinha que dividir o espaço da cama, que mais parecia uma maca, com o colete salva-vidas, e a mochila de 25 quilos de equipamentos.
Em 16 de julho de 1944, desembarcou na cidade de Nápoles. O objetivo era alcançar a cidade de Bolonha pela estrada conhecida como Rota 64. Para se chegar ao objetivo, os pracinhas, unidos ao 5° Exército Americano, deveriam romper a Linha Gótica, complexo defensivo dos alemães formado por fortificações nos Montes Apeninos. Passos ainda não sabia o frio que iria passar nas batalhas de Monte Castelo e Belvedere. Mas, quando botou os pés em solo italiano, percebeu três fatos que lhe chamaram muito a atenção. Primeiro, o Exército americano era extremamente segregacionista. A 92ª Divisão de Infantaria era formada apenas por negros vindos do sul dos Estados Unidos. Isso era muito estranho para ele, pois na FEB tinha soldados de todas as cores e origens: brancos, negros, mulatos, caboclos, cafuzos e nikeis. Segundo, era que o Exército brasileiro era totalmente obsoleto, tanto em relação aos equipamentos e armas quanto à tática de guerra. Os norte-americanos possuíam armas que nunca tinham visto antes. Tanques mais resistentes, metralhadoras potentes, rádios melhores e táticas eficientes tiveram de ser aprendidos e aderidos pelos brasileiros. Terceiro e último era o relevo. Nunca esperava que iria ser uma região montanhosa, pois não tinha sido treinado para essa situação. Mas o pior estava por vir.
O frio tomou conta nas Batalhas de Monte Castelo e Belvedere. A lama e o chão escorregadio dificultavam a locomoção. Muitos tiveram um dos pés amputado por causa dos pés-de-trincheira. A FEB teve que emprestar casacos dos americanos. Mesmo assim, de forma heróica venceram as batalhas e, já com o clima mais ameno da primavera, prosseguiram para a cidade de Montese. Como em todas as outras batalhas, os tiros de lurdinhas cortaram a comunicação. No dia 14 de abril de 1945, o 11° Regimento de Infantaria passou os morros e chegaram à cidade. A batalha urbana durou até o dia 15. Passos estava na linha de frente quando cruzou a esquina de uma rua e deu de frente com um Panzer. Não adiantava correr, pois havia alemães esperando atrás do tanque. Quando já estava pronto para morrer, escuta um barulho. Nem deu tempo de olhar para trás. Viu uma luz aparecer e jogá-lo contra uma parede. Não viu mais nada. Quando acordou, descobriu que a luz era uma arma do Esquadrão Anti-Tanque e, por isso, estava embaixo dos escombros daquele Panzer. Os companheiros não devem ter lhe achado e deixaram o local. Foi assim que Passos foi parar sentado naquela cadeira. “Parece até que passou muito tempo, por tudo o que aconteceu comigo. Mas não se passaram nem três anos. Tenho que sair daqui agora e encontrar meu batalhão antes que eu vire estatística como os outros mortos”, pensou ele. E foi o que fez. Antes de sair, fez um curativo improvisado na panturrilha para que aguentasse até chegar ao médico do batalhão. Pegou a mochila e foi atravessando a cidade para pegar a estrada. No meio de um canteiro, viu três montes de pedra. Três soldados morreram. Ficou curioso para saber se havia sido considerado morto ou desaparecido na lista de baixas e ficou com medo que algum amigo estivesse entre aqueles montes de pedras ou estivesse machucado. Acelerou o passo.
Quando passou por o que devia ter sido uma padaria, entrou para ver se tinha sobrado algum alimento que pudesse aproveitar. Como na casa em que tinha passado antes, não havia nada. Apenas cacos de vidro e buracos de tiro nos móveis de madeira. Porém, ao abrir a porta de um dos balcões, derrubou um copo de vidro que não esperava que estivesse inteiro e fez um barulho que soou alto naquela solidão. Depois de alguns segundos, escutou um ruído vindo de dentro da cozinha. Passos não acreditou. “Socorro, socorro”. Era isso mesmo o que ouviu. O susto foi tão grande que o sangue lhe subiu à cabeça, e as pernas bambearam. Pegou a arma e preparou-se para o que estava por vir. Apesar de o pedido ser em português, poderia ser uma armadilha de algum nazista. Nessa guerra, deveria estar preparado para tudo. Mas, ao entrar na cozinha, viu que era somente um pracinha que, como ele, fora esquecido ali. O soldado não conseguia falar direito; estava tossindo sangue e na perna estava faltando um pedaço de pele e músculo. Olhou na dog tag, etiqueta de aço usada para a identificação dos soldado. Viu o nome Manoel Silva – 6° Regimento de Infantaria. Tinha que arrumar um jeito de tirá-lo dali. Passos teve de ser rápido. Aplicou a penicilina na perna e enfaixou o mais apertado que podia para estancar o sangramento. Precisava de uma maca. Pegou a porta da cozinha que estava no chão e amarrou nela o pedaço de corda que estava na sua mochila para que pudesse puxá-la. Ergueu o soldado e o colocou em cima da porta. Embrulhou-lhe com o cobertor e, antes de sair, deu-lhe um pouco de água do cantil para ver se acordava. Apesar de beber a água, o soldado não buscava nenhuma reação. Pegou a corda e começou a puxá-lo com todas as forças.
A quase dois quilômetros de distância da cidade, Passos sentiu pingos de chuva caírem em sua nuca. Com as pernas já cansadas e, com toda aquela lama, vencer aquele trajeto não seria nada fácil. Avistou uma fazenda a sua esquerda e, sem hesitar, parou antes que a chuva aumentasse. Apesar de estar com sua estrutura inteira, e os móveis em ordem; não havia ninguém na fazenda. Era de se imaginar. Nem pessoas, nem vaca, nem porco, nem cavalo, nem galinha... mesmo tendo ainda um celeiro, um estábulo e uma casa intactos. Ao entrar na casa, colocou o soldado para descansar na cama que havia em um dos quartos. Passos não queria saber de comer ou beber água, pois o cansaço e a tensão eram maiores do que a fome e a sede. A chuva caía pesada lá fora. Devia ser uma das últimas que sobraram do inverno. Acendeu o lampião para iluminar um pouco o quarto. Sentou na poltrona que tinha em um canto do quarto e começou a pensar que, antes da guerra, aquela fazenda devia ser cheia de vida como o seu sítio em Minas Gerais. Pegou o terço e rezou para que as divindades protegessem a ele e ao soldado. Não queria pensar no que teria que passar no outro dia, já que a ração teria que ser dividida entre os dois e a penicilina estava acabando. Deitou a cabeça e dormiu.