PROJETO MEIO AMBIENTE: CULTIVO DO HÁBITO DO USO DOS 5 rS

2011: Mais um ano letivo pela frente. Em 2010, realizamos com bastante êxito o projeto Gêneros Textuais (orais e escritos), objetivando conhecer, analisar e produzir textos ligados aos Valores Humanos. Neste ano, 2011,a proposta dos gêneros visa desenvolver habilidades e potencialidades relacionadas ao respeito pelo MEIO AMBIENTE, sobretudo à prática ao uso dos 5Rs (Respeitar, repensar, reduzir, reutilizar e reciclar). Por isso, abri um página - MEIO AMBIENTE - só com textos que discorrem sobre o tema. O IFMT campus Rondonópolis não pode prescindir, num momento de agonia do planeta, do seu papel de construção de cidadania. Aguardem!! “Se quisermos ter menos lixo, precisamos rever nosso paradigma de felicidade humana. menos lixo significa ter... mais qualidade, menos quantidade; mais cultura, menos símbolos de status; mais esporte, menos material esportivo; mais tempo para as crianças, menos dinheiro trocado; mais animação, menos tecnologia de diversão; mais carinho, menos presente... (Gilnreiner, 1992)

8 de dezembro de 2013

Ensinar o processo da aquisição da escrita: um desafio a ser enfrentado por todos os professores de/em língua materna

Ensinar o processo da aquisição da escrita: um desafio a ser enfrentado por todos os professores de/em língua materna[1]

Arlete Fonseca de Oliveira[2]
arletefonsecaoliveira@gmail.com

Resumo: Adquirir a competência para usar a leitura e a escrita, envolvendo-se nas práticas sociais diárias, é um direito do aluno, seja ele do Ensino Básico ou dos Cursos de Graduação; seja ele membro dos grupos socioeconômicos e culturais mais elevados ou dos grupos menos elevados. No entanto, o fracasso escolar dos brasileiros, nesse quesito, estampa-se nos textos não só alunos do Ensino Fundamental, mas também do Ensino Médio e até da Graduação. Assim, este artigo tem o objetivo de fornecer alguns conceitos e posicionamentos importantes sobre alfabetização, letramento, leitura e escrita necessários a todos os professores que enfrentam o desafiador e muito complexo processo de ensinar a escrita no espaço escolar.  O referencial teórico é respaldado nos estudos e pesquisas de Magda Soares, Maria do Rosário Mortatti, Cancionilla Cardoso, Bernard Chartier, Angela Kleiman, Bakhtin, Eni Orlandi, Ingedore Koch, Irandé Antunes, entre outros.  Estes estudos mostram que, nas práticas escolares, deve considerar-se que a aquisição da escrita não é um processo neutro que independe do contexto sociocultural. E que, por isso, deve-se conceber a escola no modelo ideológico letramento, que a coloca como agente transformador do status quo, que não pode se redimir ante o fracasso escolar do aluno como se o seu fracasso estivesse relacionado apenas a questões de ordem individual. A escola, determinada pelo modelo ideológico de letramento, romperá com o modelo autônomo de letramento que só reforça e reproduz as desigualdades sociais/étnicas.


1 INTRODUÇÃO
Como competência comunicativa, deve-se entender, segundo Travaglia (2000), a capacidade de se empregar adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação, o que implica outras duas competências: a gramatical ou linguística, que é a capacidade que tem todo o falante de gerar sequências linguísticas gramaticais com base nas regras da língua, e a textual, que é a de possibilitar ao falante a capacidade de produzir e compreender textos considerados bem formados, valendo-se de capacidades textuais básicas.
Este conceito de competência comunicativa parece estar em conformidade com o fenômeno que, na década de 1980, surgiu demarcando, no Brasil, uma nova necessidade no contexto escolar: adquirir a competência para usar a leitura e a escrita, envolvendo-se nas práticas sociais diárias. A este fenômeno deu-se o nome de Letramento que, segundo Mortatti, está diretamente relacionado com [...] sociedades organizadas, onde a escrita [...] “assume importância central na vida das pessoas e em suas relações com os outros e com o mundo em que vivem”. Para Mortatti (2004, p.98), letramento é o resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e de escrita. É condição que adquire um grupo social, ou um indivíduo ao apropriar-se da escrita e de suas práticas sociais.
Assim, a partir de conceitos e discussões em torno de alfabetização, letramento, leitura e escrita, este artigo tem o objetivo de compilar posicionamentos de autores como Magda Soares, Maria do Rosário Mortatti, Cancionilla Cardoso, Bernard Chartier, Angela Kleiman, Baktin, Eni Orlandi, Ingedore Koch, Irandé Antunes, entre outros, a respeito do processo de aquisição da escrita no espaço escolar.
A discussão é relevante tendo em vista que, no quesito leitura e escrita, o fracasso escolar dos brasileiros tem se configurado contundentemente não só ao longo do Ensino Fundamental, mas também no Ensino Médio e até na graduação.

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Quando se fala em leitura, é preciso conhecer as considerações teóricas de conceituação do ato de ler, como também, abordar o desejo, o interesse, a curiosidade que levam um leitor a abrir um livro ou ler qualquer texto para descobrir o que está escrito em suas linhas e entrelinhas. Afinal, a leitura é uma fonte possível de conhecimentos, pois possibilita ao leitor a aquisição de diferentes pontos de vista, alargando suas experiências, tornando-se, talvez, a condição ímpar para que os sujeitos possam formar seus próprios conceitos, desenvolvendo sua criticidade e, por consequência, sua condição de cidadão. Entende-se aqui, por experiência, segundo Ezequiel (1996, p.32), o conhecimento adquirido pelo indivíduo nas suas relações com o mundo, através de suas percepções e vivências específicas, o meio imprescindível à compreensão do material escrito.
Se o ato de ler deve ser entendido como alargamento de experiências; ou seja, conhecimento adquirido nas relações com o outro, é possível estabelecer relação entre o ato de ler com o que Mortatti, Magda Soares e outros chamaram de Letramento, já que “letramento está diretamente relacionado com [...] sociedades organizadas em torno de um sistema de escrita”. Escrita que [...] “assume importância central na vida das pessoas e em suas relações com os outros e com o mundo em que vivem” (MORTATTI, 2004, p.98). Evidentemente, experiências são frutos dessas relações.
Conforme Orlandi (1988), numa significação mais ampla, leitura pode ser entendida como ‘atribuição de sentidos’. Pode também significar ‘concepção’ sendo que, nesse sentido, é usada quando se diz ‘leitura de mundo’. Leitura, num sentido mais restrito e acadêmico, pode significar a construção de aparato teórico e metodológico de aproximação de um texto. Em sentido ainda mais restrito, pode-se vincular leitura à alfabetização, adquirindo, então, o caráter de estrita aprendizagem formal.
Deve-se considerar, ainda, que o ato de ler não prescinde de se conceber as várias maneiras de se ler um texto.  Para Chartier (2001), o mesmo material escrito, encenado ou lido, não tem significado coincidente para as diferentes pessoas que dele se apropriam. Uma só obra tem inúmeras possibilidades de interpretação. Depende, entre outras coisas, do suporte, da época e da comunidade em que circula. O pesquisador adverte ainda que, na prática da leitura, não se devem ignorar os suportes dos textos. É preciso dar à leitura o estatuto de uma prática criadora, inventiva, produtora, e não anulá-la no texto lido, como se o sentido desejado por seu autor devesse inscrever-se com toda imediatez e transparência, sem resistência nem desvio, no espírito de seus leitores. Além disso, continua o pesquisador, os atos da leitura, que dão aos textos significações plurais e móveis, situam-se nos encontros de maneiras de ler, coletivas ou individuais, herdadas ou inovadoras, íntimas ou públicas e de protocolos de leitura depositado no objeto lido, não somente pelo autor que indica a justa compreensão do seu texto, mas também pelo impressor que compõe formas tipográficas, seja com um objeto explícito, seja inconscientemente, em conformidade com os hábitos do seu tempo (CHARTIER, 2001, p.78). Assim, como já afirmava Bakhtin (1973 apud. Souza, 2002:21), “a mutabilidade da linguagem consiste na inesgotável possibilidade de atribuir novos significados aos mesmos elementos linguísticos em contextos social e temporalmente novos”.
Portanto, fica claro que a tarefa de compreensão no ato da leitura não se limita a um mero reconhecimento do elemento usado, mas, pelo contrário, trata-se de compreendê-lo com relação a um contexto específico e concreto; trata-se de entender seu significado em termos de um enunciado específico, ou seja, trata-se de compreender o elemento em termos de sua novidade e não apenas reconhecer sua mesmice (Bakhtin, 1973 apud. Souza, 2002:21).
Para Kleiman (2008, p.20), sob o ponto de vista do letramento, a leitura deve extrapolar o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita. Por isso, segundo a autora, a escola, a mais importante das agências de letramento, deve se preocupar com o letramento, no plural, prática social, não mais apenas com um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos, processo geralmente concebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e promoção na escola. 
Portanto; se, neste contexto, o professor de/em língua materna deve considerar que cada aluno traz consigo possiblidades de leitura de acordo com suas histórias tanto do ponto de vista cognitivo e cultural quanto afetivo, ele também deve levar em consideração que há diferenças nas práticas discursivas dos alunos, devido a fatores socioeconômicos que também interferem no processo de leitura.
No entendimento de Kleiman (2008, p. 39), as diferenças nas práticas discursivas de grupos socioeconômicos distintos ocorrem devido às formas como eles integram a escrita no seu cotidiano. Segundo a autora, essas diferenças têm se acentuado graças a estudos que adotam um pressuposto que poderia ser considerado básico no modelo ideológico, a saber, que as práticas de letramento mudam segundo o contexto.
Para ilustrar essa declaração e, ao mesmo tempo, explicar a complexidade em torno do ato de ler, Kleiman (2008, p.39) se reporta ao resultado de um estudo etnográfico, feito por Heath (1982/1983), em pequenas comunidades no Sul dos Estados Unidos. Heath declara que o

modelo universal, prevalente na escola,  tem se constituído como uma oportunidade  de continuação do desenvolvimento linguístico para crianças que foram socializadas por grupos majoritários, altamente escolarizados, mas representa uma ruptura nas formas de fazer sentido com base na escrita para crianças fora desses grupos, seja eles pobres ou de classe média com baixa escolarização (HEATH, 1982/1983 apud Kleiman, 2008, p.39).  



Essa conclusão de Heath, conforme Kleiman (2008), adveio de uma pesquisa feita com dois grupos: um majoritário (nível alto de escolarização) e outro de baixa escolarização. Para tanto, o pesquisador concentrou seu objeto de estudo no evento de letramento, ou seja, situações em que a escrita constitui parte essencial para fazer sentido da situação, tanto em relação à interação entre os participantes como em relação aos processos e estratégias interpretativas. Heath confirmou que tanto num quanto noutro grupo há situações de letramento, por exemplo, a prática de contar história para a criança antes de dormir. Porém, há diferenças na forma como acontecem as práticas do evento de letramento do “contar histórias” nos dois grupos.
Resumindo; a diferença, segundo Kleiman (2008, p.43-44), está não no nível econômico, mas no nível de escolarização destes grupos pelos seguintes motivos:

a) os adultos com menos escolarização não estendem nem o conteúdo nem as práticas dos eventos de letramentos a outros contextos, lembrando às crianças, na presença de objetos do mundo real, de eventos ou objetos semelhantes nos livros que conhecem. Não existem a verbalização e as retomadas constantes que caracterizam o grupo majoritário. Atividades do cotidiano, como cozinhar ou montar um brinquedo, não são comentadas ou descritas numa série de passos ou procedimentos sequenciais. Desta forma, por exemplo, para ensinar a criança a segurar a bola na forma correta, em vez de dizer “coloque o polegar neste lugar e, depois, abra os dedos” – como o adulto das classes majoritárias faz –, o adulto nos grupos menos escolarizados confia nos poderes de observação da criança dizendo “faça assim, ó” (KLEIMAN, 2008, p.43).

b) as crianças do grupo com baixa escolarização não são encorajadas a contar histórias, pois apenas alguns membros da comunidade têm papel de contadores de histórias; além disso, as estórias valorizadas  pela comunidade são relatos factuais com  algum fundo moral (KLEIMAN, 2008,p. 43).

c) as crianças tanto de um quanto de outro grupo são bem sucedidas nas três primeiras séries, sobretudo quando o trabalho escolar com o livro se centra na leitura de partes do texto, e na resposta a perguntas sobre informações explícitas da estória (KLEIMAN, 2008, p.43).

d) as crianças do grupo com maior nível de escolarização são mais bem sucedidas em trabalhos escolares que exigem opinião sobre a história, analogias com situações do cotidiano.

Essa pesquisa traz à escola uma explicação para aqueles casos de crianças que até a 3ª série obtiveram sucesso, mas que, ao chegar à quarta série, começam ter dificuldades. E a escola, porque se sustenta no Modelo Autônomo de Letramento, entende que todas as crianças podem estender as suas práticas em eventos de letramento a outros contextos (como fez a criança do grupo de alta escolarização) e por isso não as ensina a fazê-lo. Segundo Street (1984, apud Kleiman, 2008), o modelo autônomo pressupõe uma só maneira de letramento; associa-se ao progresso – civilização – mobilidade social. A esse modelo autônomo, Street (1984) contrapõe o modelo ideológico que pressupõe que as “práticas de letramento, no plural, são social e culturalmente determinadas, e, como tal, os significados específicos que a escrita assume para um grupo social dependem dos contextos e instituições em que ela foi adquirida”. Esta concepção não pressupõe relação causal entre letramento e progresso, ou civilização, ou modernidade, pois, em vez de conceber um grande divisor entre grupos orais e letrados, ele pressupõe a existência, e investiga as características de grandes áreas de interface entre práticas orais e práticas letradas (KLEIMAN, 2008, p.21).
Disso decorre que o processo de reprodução da classe social se reestabelece, justamente na escola, onde estão (estariam) os agentes e os processos que poderiam mudar o destino (Bordieu e Passeron, 1970, apud Kleiman, 2008, p.44). Como seus pais, essas crianças não chegarão à universidade, conclui a autora.

  2.2 A aquisição da escrita no contexto escolar

Carmagnani (1999:163 apud Coracini) afirma que a escola brasileira, desde sua constituição jesuítica, é pontuada por um discurso que valoriza a “re-produção”, o acúmulo (adição) e memorização de conhecimentos alheios, restando a professores e alunos apenas o papel de repetidores.

Desse modo, conforme Orlandi (1998:79), esse aluno raramente tem oportunidade de entrar no “jogo” da escrita, assumindo a função-autor de que fala Focault (Carmagnani,1999:162 apud Coracini): a organização, a coerência que impõe ao texto é sempre a que lhe é sugerida como modelo, isto é, ele está o tempo todo ocupado em desempenhar tarefas que são parte do discurso da escrita, mas não lhe é possibilitada a passagem para esse discurso.

Essa dinâmica do sistema escolar de ensino parece estar pautada no modelo autônomo de letramento que considera, segundo Kleiman (2008), a aquisição da escrita como um processo neutro que, independentemente de considerações contextuais e sociais, deve promover práticas necessárias para desenvolver no aluno a capacidade de interpretar e escrever textos abstratos dos gêneros expositivos e argumentativos, dos quais o protótipo seria o texto tipo ensaio. Nesse modelo, a escola se redime do fracasso do aluno, pois este estaria relacionado a questões de ordem individual.
No entanto, conforme vimos anteriormente, os resultados da pesquisa de Heath (USA) e inferências explicativas de Angela Kleiman (2008) deixam muito claro que, nas práticas escolares, deve considerar-se que a aquisição da escrita não é um processo neutro que independe do contexto sociocultural, como determina o modelo autônomo. Muito menos que a capacidade do aluno em interpretar e escrever textos abstratos possa ser desenvolvida, tendo como modelos textos do tipo ensaio com propõe o modelo.  Baseando-se nessa concepção, a escola só reforça e reproduz as desigualdades sociais/étnicas. Esse tipo de prática desconsidera a inteligência ou potencialidades que o aluno pode e deve desenvolver no contexto escolar, desconsiderando, sobretudo, o papel da escola como agente transformador do status quo.
Segundo Kleiman (1995, p.45), uma prática escolar que visa ao domínio da escrita para a produção de um texto expositivo abstrato, internamente consistente, pressupõe uma separação polarizada entre oralidade e escrita, que guardam significativas diferenças entre si, a começar “pelas diferenças que decorrem da transmutação de uma mensagem de um meio fônico para o visual”. Enquanto a primeira se centra na fugacidade; a segunda é centrada na permanência. Daí a segunda exigir maior planejamento, maior potencialidade de revisão e, portanto, de exatidão no texto bem como a exploração das diversas funções da escrita, como as funções de apoio para a memória, de transmissão de conteúdos independentemente do espaço e do tempo.
Nesta mesma direção, Antunes (2007, p.167) afirma que a escrita é uma atividade processual, isto é, uma atividade durativa, um percurso que se vai fazendo pouco a pouco, ao longo de nossas leituras, de nossas reflexões, de nosso acesso a diferentes fontes de informação. É uma atividade que mobiliza nosso repertório de conhecimentos e, por isso mesmo, não pode ser improvisada, não pode nascer interinamente na hora em que a gente começa propriamente a escrever. Desta forma, estamos continuamente nos preparando para escrever, sempre que estamos convivendo com as mais diferentes fontes de informação, nem que não tenhamos, de imediato, alguma atividade escrita à vista. Escrever um texto, para ele, “é uma atividade que supõe informação, conhecimento do objeto sobre o qual se vai discorrer, além, é claro, de outros conhecimentos de ordem textual discursiva e linguística”.
Antunes (2007, p.167) afirma ainda que o comentário, o texto de opinião, o resumo que o aluno fará no 3º ano do Ensino Médio, por exemplo, começou a ser preparado em suas primeiras leituras e vem se consolidando cada vez que ele lê, que ele aprende algo novo, cada vez que é feita a tentativa de dizer algo por escrito, não importa se a aula é de português ou não.
Nesse sentido, Bakhtin (apud Cardoso, 2008, p.26) afirma que todo texto tem um sujeito, um autor (que fala, escreve). Todo texto tem dois fatores que o determinam e o tornam um enunciado: “seu projeto (a intenção) e a execução desse projeto” (Bakhtin, 1979/1992, p. 331). Assim, Cardoso esclarece que todo texto faz parte de uma cadeia de textos de uma dada esfera. Ele se constitui como “mônada específica que refrata (no limite) todos os textos de uma dada esfera” (Bakhtin, 1979/1992, p. 331).  Essa dimensão intertextual, intencionalmente ou não, está presente em cada texto/discurso. Cada um deles entra em diálogo com outros textos/discursos anteriores, que já falaram, exploraram o mesmo objeto. Entra em contato, ainda, com os textos em devir, na medida em que pressente e prevê reações, resposta.
Para Kleiman (1995, p.46), no plano referencial, isto é, dos conteúdos, o texto escrito seria mais abstrato do que o texto oral, porque teríamos, por exemplo, o grau de abstração determinado pelo distanciamento do interlocutor, pelo rito de iniciação à escrita e pela progressão e o desenvolvimento temático, estes ainda mais abstratos porque seriam de responsabilidade do autor sem o apoio da interlocução imediata, que permite a construção conjunta do texto e, portanto, o desenvolvimento de tópicos conjuntamente, em grande parte das comunicações orais. 
Essa compreensão de Kleiman está evidente nas palavras de Antunes (2007, p. 171), quando ele diz que fazer um texto é mais que dominar regras gramaticais, é uma forma particular de atuar na sociedade e inclui conhecimento de a) elementos linguísticos; b) elementos de textualização; c) elementos de situação em que o texto ocorre (ou o ‘estatuto pragmático do texto’), como as finalidades pretendidas, os interlocutores previstos, o espaço cultural e o suporte em que o texto vai circular, o gênero em que vai ser formulado, entre outros.
Nesse mesmo sentido e considerando leitura como meio de aquisição para a escrita e consequente envolvimento em práticas sociais, Platão e Fiorin (1990:241) dizem que um dos aspectos mais intrigantes da leitura de um texto é a verificação de que ele pode dizer coisas que parece não estar dizendo e, para isto, é preciso que se reconheçam os mecanismos linguísticos e sua importância no processo de produção de sentido, dentre os quais, destacam as informações explícitas e implícitas; as figuras de linguagem. Também consideram importantes nesse processo como a linguagem se estrutura no plano de conteúdo e no de expressão. 
Outro mecanismo linguístico também importante, para Platão e Fiorin (1990:241), é a decifração de significados por meio dos elementos de coesão. Dentre eles, podem-se citar os que têm valor exemplificativo e complementar; os que anunciam o desenvolvimento de um discurso; os que servem para introduzir mais um argumento a favor de determinada conclusão; os que introduzem um argumento decisivo; os que introduzem esclarecimentos, retificações; os que marcam oposição entre dois enunciados; os que estabelecem gradação e os elementos anafóricos e catafóricos. “Para que um ato de fala alcance os objetivos visados pelo locutor, é necessário que o interlocutor seja capaz de captar a sua intenção; caso contrário, o ato será inócuo” (KOCH, 2000, p. 23). Além do mais, reconhecer e compreender o porquê da escolha de certas palavras em detrimento de outras faz que o aluno perceba que isso é inerente ao ser humano e que ele deve estar atento a essa condição para recorrer a essas escolhas no ato da comunicação, de acordo com a necessidade do momento.
Assim, segundo Kleiman (1995, p.45),

o ensino [da escrita] teria como objetivo iniciar – e avançar em – um projeto que culminaria na produção de um objeto já definido de antemão pelas suas diferenças formais com o texto oral. Como esse objeto tem características lexicais e sintáticas que o diferencia da oralidade, o ensino teria de estar baseado num conhecimento contrastivo das duas modalidades. Esse objeto revelaria também marcas estruturais de um planejamento prévio que resultasse num texto ordenado, sequenciado, amarrado num tecido que constitui alguma forma estrutural reconhecível, do gênero narrativo, expositivo e argumentativo.

Ainda sobre esse contraste das duas modalidades, Cardoso (2008, p. 31), baseando-se em Vygotsky apud Schneuwly, 1985, p.178, explica que a oralidade  

é localmente planejada, isto é,  planejada e replanejada a cada novo “lance” do jogo linguístico. Desse modo, a linguagem oral funciona no âmbito de um “controle exterior” (que Vygotsky chamaria de intermental) e contínuo, construído a dois na interação face a face: “a linguagem falada é regulada pelo desenvolvimento da situação dinâmica” (VYGOTSKY apud SCHNEUWLY, 1985, p.178).


enquanto a escrita


 não é controlada pela situação imediata e sim pela ‘representação abstrata’ de uma determinada situação, com um objetivo geral e um destinatário fictício ou, pelo menos, parcialmente simulado. Isso significa que o controle exterior e contínuo, que caracteriza a oralidade, na escrita passa a ser um ‘controle interior’ (intramental) e ‘global’.


Daí, segundo Cardoso, pode-se inferir que, para produzir um texto escrito, uma visão global e antecipativa do texto, no seu conjunto, faz-se necessária. Isso explica o caráter voluntário da produção escrita, já que nesta a ação linguística, diferentemente da ação oral que recai sobre a dinâmica da situação imediata, decorre do esforço constante do enunciador. “Na situação de linguagem escrita, é necessário haver uma atitude ‘independente, voluntária, livre em relação à situação’” (Vygotsky, apud SCHNEUWLY, 1985, p.178).
Cardoso (2008, p.137) ressalta ainda a complexidade do ato de compreender e produzir um texto, porque o locutor/autor precisa

ativar e articular um conjunto de operações ligadas  à escolha ortográfica e lexical, ao uso da  pontuação e dos conectores, aos tempos verbais,  à organização temática [ ...] Mais que isso, produzir um texto supõe um conjunto de operações que vão além do âmbito estritamente linguístico, pois é necessário recuperar, analisar, selecionar, organizar informações, estruturando-as num determinado gênero discursivo.

Orlandi (1998, p.90), ao se referir à leitura como um dos elementos que constituem o processo da produção escrita, cita dois aspectos dessa relação que podem ser operacionalizados por uma proposta escolar: o primeiro é que a leitura fornece matéria-prima para a escrita (o que escrever); o segundo é que a leitura contribui para a constituição dos modelos (o como escrever). A autora esclarece, porém, que não há relação automática entre ler-se muito e escrever-se bem.
Para que o aluno saia da condição de leitor-enunciador para leitor-autor, o professor deve estar ciente de que a leitura é um dos elementos que constituem o processo de produção escrita, propiciando essa passagem de forma que o aprendiz possa experimentar práticas que façam com que ele tenha o controle dos mecanismos com os quais está lidando quando escreve (ORLANDI, 1996, p.79).
Sabendo-se da complexidade do processo de leitura e aquisição da escrita, os professores devem aprofundar estudos em teorias educacionais, para não incorrerem em erros decorrentes de interpretações e julgamentos apressados. Para Magda Soares (2004, p.9), um cuidado que deve ser tomado, nesse sentido, é em relação à invenção do Letramento, pois a partir da década de 1980,

a invenção do letramento no Brasil (...) se fez e se faz de forma independente em relação à discussão da alfabetização (...), surge sempre enraizada no conceito de alfabetização, o que tem levado (...) a uma inadequada e inconveniente fusão dos dois processos, com prevalência do conceito de letramento (Soares, p. 8).

Para a autora, é preciso reinventar a alfabetização, pois

a progressiva perda de especificidade no processo de alfabetização (...) na escola brasileira ao longo das últimas décadas (é, talvez, um dos fatores) mais relevantes do atual fracasso na aprendizagem e, portanto, também no ensino da língua escrita nas escolas brasileiras (SOARES, p.9).

Segundo Soares (2004, p.9), esse fracasso, que se espraia ao longo de todo Ensino Fundamental, chegando mesmo ao Ensino Médio e que se traduz em altos índices de precariedade no desempenho em provas de leitura depois de 4-6-8 anos de escolarização, pode ser explicado pela perda de especificidade do processo de alfabetização.
Disso, pode-se inferir que aos professores cabe a tarefa de conhecer profundamente a teoria, antes de aplicá-la em suas práticas pedagógicas conceitos apressadamente concebidos.
Soares faz questão de ressaltar que, quando defende a especificidade no processo de alfabetização, não está de forma alguma querendo dissociar o processo de alfabetização do processo de letramento. Pelo contrário, alfabetização e letramento são processos interdependentes. Não se pode incorrer no erro de que, agora, diante do fracasso escolar atual, coloquemos o letramento no banco dos réus e reinventemos a alfabetização. Essa reinvenção da alfabetização, segundo a autora, mesmo necessária, torna-se perigosa, pois pode representar um retrocesso nos avanços até então conseguidos (SOARES, 2004, p. 11).
De qualquer forma, essa reinvenção da alfabetização, garante Soares (2004), faz-se necessária. Na França já se constatou que o “conhecimento do código grafofônico e o domínio dos processos de codificação e decodificação constituem etapas fundamentais e indispensáveis para o acesso da língua escrita”. Nos Estados Unidos, constatou-se que a “linguagem holística (whole linguage) nega o ensino do sistema alfabético e ortográfico e as relações fonema-grafema de forma direta e explícita” e, no Brasil,  o debate em torno da oposição entre métodos sintéticos e analíticos foi suplantado pela concepção construtivista na alfabetização bastante semelhante a whole linguage nos Estados Unidos.
 O Relatório (National Instituto of Child Healt and Human Development, 2000, apud Soares)  concluiu que

A consciência fonêmica (relação fonema-grafema), fluência em leitura (oral e silenciosa), vocabulário e compreensão são facetas consideradas essenciais no processo de alfabetização e têm implicações altamente positivas para a aprendizagem da língua escrita (SOARES, 2004).

                 Assim, percebe-se que a concepção de aprendizagem é mais ampla e multifacetada que a aprendizagem do código, das relações grafofônicas; ambos os documentos postulam a necessidade de que “esta faceta recupere a importância fundamental que tem na aprendizagem da língua escrita, sobretudo, que ela seja objeto de ensino direto, explícito e sistemático (Soares, 2004).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ensinar o aluno a escrever com clareza, coerência, correção gramatical e, acima de tudo, a colocar-se como autor do seu próprio texto, tem sido uma tarefa desafiadora não só para o professor de/em língua materna, que atua no ensino básico, mas também para os professores dos cursos de licenciatura que formam futuros professores que irão atuar no ensino básico. Vimos, a partir das leituras feitas, que “ensinar para o letramento” é um processo que envolve uma articulação entre o descobrir, o aprender e o usar a escrita nas práticas sociais. Este ensino cabe à escola (via professor) articular e sistematizar. Para tanto, o professor, agente e representante central da escola, deve estar consciente de que a apropriação das práticas de linguagem tem sim início no quadro familiar, com os chamados gêneros primários – aprendizagem incidental, mas é no espaço escolar, por meio da prática pedagógica do professor em sala de aula, que a apropriação das práticas da linguagem escrita e da oral formal (gêneros secundários – aprendizagem intencional) realiza-se. Portanto, é papel da escola montar um currículo escolar com conteúdos, objetivos e estratégias de ensino bem definidos, respeitando uma sequência lógica e temporal de aprendizagens que vão se amarrando umas às outras e estabelecendo relações de sentido para que o aluno se apodere destes sentidos e os utilize em suas práticas sociais com autonomia.
A aprendizagem intencional para o ensino da linguagem oral formal e escrita, segundo Schneuwly (2004), deve considerar, entre os diversos componentes do currículo escolar, a  progressão, ou seja, a organização temporal   da  divisão dos objetivos gerais entre os diferentes ciclos de ensino obrigatório (progressão interciclos) como à seriação temporal dos objetivos e  dos conteúdos disciplinares em cada ciclo (progressão intraciclo).
Há de se considerar ainda que o problema da progressão coloca-se igualmente no nível das sequências concretas de ensino realizadas em sala de aula: definição e decomposição das tarefas a serem realizadas; caminho e etapas a serem seguidas para aproximar-se de um fim; ordem dos diversos elementos do conteúdo, etc.
Infere-se daí que essa organização curricular pensada e construída da forma intencional, como sugere Schneuwly, é essencial para possibilitar ao aluno o acesso à aquisição da escrita. Neste ponto, cabe a observação de  Kleiman (2008), quando declara que a aquisição da escrita deve ser concebida no modelo ideológico de letramento que considera a inteligência ou potencialidades que o aluno pode e deve desenvolver no contexto escolar, considerando, sobretudo, o papel da escola como agente transformador do status quo.
Sendo assim, e sabendo que é difícil ensinar aquilo que ainda não lhe passou pelos sentidos, o professor terá também de ter vivenciado, ele mesmo, essa aprendizagem intencional de forma concreta. E se isso não lhe foi possível no Ensino Básico (o que seria mais ajustado) terá de lhe ser propiciado nas graduações não só de Pedagogia e Letras, mas também nas demais disciplinas que formam professores em língua portuguesa. Seria uma tentativa de romper com esse círculo vicioso do “eu não posso ensinar o que não aprendi”. 
E, assim, se cabe à instituição-escola elaborar um currículo numa sequência lógica de conteúdos e progressão temporal de acordo com o nível escolar do aluno, cabe também aos professores, eles mesmos, numa ação individual e/ou conjunta, participarem como sujeitos-objetos-objetos-sujeitos desse processo de ensino-aprendizagem desde suas raízes para lançar mão dos componentes e elementos necessários que devem ser acionados para o alcance dos objetivos da sua disciplina.
Isso sem que cada um deixe de considerar na mente e na prática pedagógica as práticas ideológicas de letramento, que, situadas em contextos sociais e culturais específicos, são políticas que propiciam mudanças na vida dos indivíduos, pois permitem que eles entendam e (des)construam ideologias (Street, 1984, apud KLEIMAN, 2008, p,39).
Nesse ponto, quando se fala em (des) construção de ideologias, deve-se pensar no âmbito da escrita, já que “os correlatos cognitivos da aquisição da escrita na escola devem ser entendidos em relação às estruturas culturais e de poder que o contexto de aquisição da escrita na escola representa (KLEIMAN, 2008, p. 39). Evidentemente, ainda segundo Kleiman, o alargamento do campo de investigação, proporcionado pelo modelo ideológico de letramento, não é fundado somente “no divisor oralidade e escrita, e as consequências cognitivas extrapolam a mera correlação com a escrita”. No entanto, é sempre bom lembrar que, segundo Mortatti ( 2004, p, 98), quando se fala em letramento, deve-se relacioná-lo diretamente com sociedades organizadas em torno de um sistema de escrita”. Afinal, a escrita [...] “assume importância central na vida das pessoas e em suas relações com os outros e com o mundo em que vivem” (MORTATTI, 2008).
Portanto, dessa afirmação,  deduz-se que os professores, sejam eles de língua materna ou em língua materna, devem atuar em sala de aula no sentido de preparar o aluno para o mundo da escrita, sem nunca se esquivar do compromisso de, como representante da escola, ser um fornecedor de ferramentas que contribuam para o acesso do aluno ao mundo da escrita.
Nesse sentido, afirma Kleiman (1996, p. 40), é tarefa de todos os professores, de todas as disciplinas, assumir um papel “não de mediador entre autor e leitor, mas o de fornecedor de condições para que se estabeleça a interação” entre aluno-texto.
Porém, ser esse fornecedor de condições para que se estabeleça a interação entre aluno-texto, fazendo que o aluno experimente práticas e aprenda a controlar mecanismos da escrita, tem sido, talvez, uma das maiores dificuldades do professor em sala de aula. Por isso, a instrumentalização do professor faz-se extremamente necessária, pois dela o aluno dependerá sua passagem de leitor-enunciador para leitor-autor – condição necessária para se apropriar com consciência da competência comunicativa nas práticas sociais  para exercer sua cidadania.


4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CHARTIER, Roger. Do Livro à leitura. In: Práticas da Leitura. 2. Ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. (pág. 77-107)
CARDOSO, Cancionilla Janzkowski.  O que as crianças sabem sobre a escrita? Cuiabá, EdUFMT, 2008.
KLEIMAN, Angela B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1995. Coleção Letramento, Educação e Sociedade (10ª reimpressão -2008).
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura. 2.ed. Campinas-SP: Pontes,1996.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 7ª ed. São Paulo: Contexto, 2003.
___________________________.  A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 2000.
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Educação e Letramento. São Paulo: UNESP, 2004. Capítulo 5 (p.98-116).
ORLANDI, Eni Pulcineli. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1998.
PLATÃO, F.S e  FIORIN, J.L. Para entender o texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1995.
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SOARES, Magda. Letramento e escolarização. In: Letramento no Brasil. Org. Vera Masagão. São Paulo: Global, 2003.
SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, 2004. http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.pdf/. Acesso em 20 de agosto de 2013.
SOUZA, L.M.T.N. O conflito de vozes na sala de aula. In: CORACINI, M.J. R.F. (org.). O jogo discursivo na aula de leitura: língua materna e língua estrangeira. 2.ed. Campinas, Pontes, 2002.
TRAVAGLIA, Luís Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e no 2º graus. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2000.



[1] Avaliação final apresentada à Professora-doutora Cancionila Janskovski Cardoso, como exigência para conclusão da Disciplina “Alfabetização, Leitura e Escrita” do Programa de Pós-Graduação em Educação– Mestrado/PPGEdu/UFMT – campus de Rondonópolis. 
[2] Aluna especial da disciplina “Alfabetização, Leitura e Escrita” do Programa de Pós-Graduação em Educação– Mestrado/PPGEdu/UFMT – campus de Rondonópolis. 

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